quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A prece consciente


Amarrotadas coisas que percorreram os minutos daquelas horas. Que sejam belas as coisas que transladaram esse “agora” e movimentaram em mim a força de um tempo desconhecido, o que se vive, o que está sendo, o que virá a ser. O meu tamanho, que não impediu abrigar marcas, que o meu tamanho seja a casa e o lugar. Que possam morar nos meus olhos sem fazer transbordar, que possam se alimentar de minha boca: ouvidos e dentes; e línguas. O meu passado, que qualquer dele esteja acomodado em seu devido lugar , nas casas antigas, que sou eu na minha linha do tempo. Que eu saiba beber a dose certa de bom e ruim. Que o meu rumo seja guiado pela minha embriaguez, lúcida como a escolha de ver a olhos nus ou com os óculos que me destes. Que eu me reconheça quando esbarrar em mim. Mas o que quer que seja, que o amor contemple, e faça dos perigos do desespero de viver, a paz.

Prece inconsciente

Ao futuro

Toda a metáfora,
todo o grito mais bem gritado,
cuspido,
nem mais
nem menos,
tudo.
Meu rosto rasgado por mil lágrimas,
uma por dia
dia por duas vezes tentando,
eu fracassando.
Dor de garganta,
nó sem mãos
no pescoço apertando.
O melhor e o pior
Dos trezentos e sessenta e cinco dias
batido no liquidificador,  
tome para beber   
e brinde o ano novo,   
Passado.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Minas Gerais



As palavras são ontem, mas se eu pudesse colocar um pouquinho do “agora” seria tão gostoso...como comer bala de côco depois que acaba as do saquinho.
É que eu queria falar das mãos, dos olhos, assim, encarando os do outro, acesos: “onde mesmo ficam minhas pernas?” “onde mesmo fica a minha barriga?”, quando trocamos os pés pelas mãos e bastou um apalpar na intensidade do querer pra si. A mão buscava agarrar o corpo na quantidade semelhante a do desejo - como se fosse possível.
Eu descobri mais do seu cheiro de travesseiro e cabelo despenteado, você conheceu minha infância em risos que eu não podia controlar, gargalhava. E a vergonha ia longe, voltava para o Rio de Janeiro, fugia, escapava ou se escondia atrás da porta, esperando que eu recobrasse a consciência. E nesse dia, todos lá fora pensavam constrangidos que um parque de diversões não era tão animado quanto aquele quarto com porta fechada, dando mais asas a imaginação, quase como bichinhos atraídos pela luz. Mas só estávamos contando pintas no corpo um do outro, fuçando segredos e descobrindo pescoço, orelha, nuca...até o sono chegar e nos esquecermos amassados. Braço por cima de braço, duas folhas pintadas dobradas ao meio.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O tempo, o meio e o que ainda falta

Nota prévia
O texto a seguir nada tem a ver com romantismos. A insensatez é o melhor sentimento para andar na corda bamba. Não se engane.

Gastou mais um pouco da borrada no caderno. Apagava “amo” escrito com tanto desamor. O pensamento fugia das linhas que insistiam em querer ser carta de amor. Lá estava ela, longe...
- nunca vi uma borracha acabar, parece que duram para sempre, mas sempre compro outra. Voltou para o papel, nada saía. Já batia uma agonia. Passava os minutos, dor de cabeça, língua amarga do café.
Tinha marcado um cinema com ele, era um dia especial, aniversário de namoro – quanta coisa inventam. Os próprios assinaram o contrato que ditava o dia, mas como sempre, não leram se quer uma cláusula. Optou por pegar emprestado um poema rasgado de Neruda que parecia muito com verdade, quando raros momentos distraída passava o coração do frio ao fogo. Transcreveu o poema naquele papel triste, esfolado de tanto apaga-escreve. Aliviada por ter conseguido cumprir a “tarefa”, imaginava que bom ter lembrado de “Não te quero senão porque te quero”. Caíra como uma luva a qual estapearia a cara do sujeito.
Mas ainda tinha de escolher a roupa, como quem vai ao enterro e não quer parecer nostálgica. Nada lhe vestia bem, nem mesmo um sorriso sugerido pela mãe, espectadora do dia de horror, torpor, como quiser pôr.
– mas não vou pôr mais nada! Não vou e ponto. Chorou pelo morto, chorou pelo traje inevitavelmente nostálgico, sua expressão, chorou porque iria ao cinema com ele? Secou as lágrimas que borravam nada além de tentativas de sorrisos tortos, pois maquiagem seria exagero.

Borracha novinha, cor verde fosforescente, linda. Só usou para apagar um borrãozinho feito sem querer.
- será que essa eu vou conseguir ver o “para sempre”?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A dois


Dessas pernas que te atam um nó,
essas mãos que me cavam o corpo
nesses olhos que mergulham
eu, você meu,
ninguém mais.
A solidão a dois que distrai o perigo
de querer mais e mais,
onde a dois somos muitos,
todos
em poucos
um,
dois.

domingo, 28 de novembro de 2010

Quando transborda



Eu vou desfranzindo a testa aos poucos, onde ficam rugas, essas linhas marcadas pela tensão. Agora já passou, você me diz calmo, sereno. Meu corpo vai deixando de ser atento, vai tomando novamente minha forma, vai voltando a ser e somente ser, o que não exige nenhuma prévia, ser não dispõe de planos pois ou se é ou não é. Sinto cada parte voltando para o lugar, cada palavra desgrudando de mim, como escamas de pele velha. É um alívio difícil esse pousar em si. Eu estou crua. As vezes dá um certo medo me ver despida, imaginando o que vão pensar de mim em tom cor-de-pele.
- Deixa eu me misturar em você, e eu deixo. A pele dele vermelho-sem-vergonha diz que gosta de mim, as mãos encontrando meu arrepio me dizem “eu só vou mais até ali” e a cada palavra, cada gesto dele, uma vontade quase inconsciente, na verdade urgente de dizer: "eu te amo", e não tem nada a ver com saber amar e sequer parece com qualquer “eu te amo” já dito no mundo. Sai da boca fazendo cócegas essas duas palavras pequenas, desconhecidas, como a lembrança de um rosto e o esquecimento do nome. Quanto mais distraída da minha nudez, mais nua eu fico e quanto mais nua, mais sensível ao toque e “eu te amo” é o riso da cócega mais incontrolável.
- O que você disse?
- Desculpe, é que eu senti em voz alta.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pé ante pé

Eu junto todas as sandálias num saco,
só quero os meus pés
na vontade de tocar o chão
esse chão,
aquele chão,
está tão longe o chão.
Acho que não vou mais andar,
eu vou sumir...
Dia desses fui embora
mas meu perfume ainda estava lá
E como faz?
Pra pisar firme
sem o chão que parece tão bom.
São só dois pés
antes eram quatro poeminhas,
hoje são só dois:
Bye, bye

sábado, 13 de novembro de 2010

Ser coisas tem dessas


Eu engulo a saliva como se fosse mar,  
eu quero esse mar,  
invento frases e frases  
afim de alcançar,  
quero te alcançar.  
Eu me sacudo  
cabelos e membros,  
entorno o copo  
só pra ver se não me lembro  
mas acordo amanhã cheia de pensamentos,  
a cabeça é pesada   
não esvazia,   
eu me quero vazia,  
me engulo e vomito todos os dias.

 
Ser tem dessas coisas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Vitória


Primeiro eu aceitei o trato, depois tentei me familiarizar com a condição. Sim, porque só aceitamos algo quando enxergamos um resquício semelhante a nós ou aquilo com o qual convivemos.  
Meu nome nada tinha a ver com a prática, na minha vida passava longe os euforismos e braços erguidos gritando – Vitória! Conto nos dedos os episódio em que protagonizei cenas como essa. Sempre que escrevo meu nome tenho vontade de pôr no final um ponto de exclamação. Mas exclamar a que? O que? Quem é essa tal de Vitória que cultua derrotas “passeando” por opção entre suas tristezas? Essa Vitória sem ponto de exclamação, sou eu. Trinta e poucos anos para chegar aos quarenta e Vitória, ponto final. Onde já se viu me entupir de “estímulo feliz”? Me apresento a alguém e logo penso que eu tenho que vencer! Tenho que conseguir sair com esse cara e tenho que conseguir que ele me ligue, que se apaixone e que o sexo seja maravilhoso, tenho que conseguir o emprego, tenho que conseguir ganhar na mega-sena. Eu me obrigo a ter sentido entende? Mas quanto mais vou em busca de coerência mais me afasto de qualquer alcance...vitorioso. Penso nos meus pais todos os dias e ainda não consegui encontrar um motivo. Só sei que o meu nome é Vitória, apenas um vestido bonito que quiseram me dar. A verdade é que o nome pouco importa, pode ser eu ou você,

eu ou você.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Doente de saber


Estive amando e isso me ocupava. Me ocupava tanto que meu corpo parecia cansado, um cansaço físico que passou a me incomodar. As dores no corpo vinham como se tivesse levado uma surra, mas ninguém havia encostado em mim. Estive amando como quem quer e não como quem ama. Queria o olhar, queria a boca, queria o abraço, eu queria... não tive sucesso nos meus desejos. Canalizei todas as forças que eu tinha dentro do meu corpo pequeno e expulsei numa só direção, com toda a minha alma cálida, com todo o meu corpo doente da surra.
Esse meu corpo pequeno, com hematomas invisíveis, foi pedindo socorro de pouco em pouco, de lamento em lamento.Há quem diga que era “não saber o que queria”, mas o mal era justamente o contrário: sabia exatamente o que eu queria.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

seserenofor




Sereno feito um canto de pássaro lá longe, 
no meu ouvido perto.
Fica perto de mim,
qualquer coisa calma que eu tenha em mim,
qualquer coisa de pequeno que caiba nas mãos,
qualquer carta de bolso que eu possa levar.
Olha as minhas pequenas garras
estão tão vazias,
mas se for sereno vai saber ficar sem
e com ou sem terá
e longe ou perto será,
canto de pássaro.


Sereno,
qualquer coisa que eu possa
su
por
tar

domingo, 17 de outubro de 2010

Encontro dos distraíados ou O desencontro


A urgência é uma sirene tocando, insistindo aos ouvidos e te denuncia cada vez que você puxa o ar e picota a entrada dele no seu peito, fazendo mini-respirações em pequenos espaços de tempo aos quais submetemos a nossa energia. Urgente, “não há tempo a perder” e quanto mais se faz dessa ideia um lema, mais perde-se tempo. Sua vida passa a ser dividida em minutos, a urgência transforma o sentimento em uma bomba relógio que sempre explode, sempre renasce das cinzas. Uma dose alta de adrenalina que nos faz voar e cair em segundos, mas o pior de tudo é pensar quem é o condutor da história. Você, que se esconde atrás de si mesmo, que forja acidentes, que premedita cada passo e cada ferida e que chora sem surpresa dos seus finais.  
Olha-se tanto para a vida que quase não se enxerga ela, tudo vira um borrão na velocidade do veículo. A urgência não permite distração, ela seria o erro fatal. E quem somos nós quando não estamos distraídos? Olhos esbugalhados, inchados, ocupados em sofrer adiantado só para não sofrer atrasado – que diferença faz? Quem está atento não se surpreende nem se assusta, isso é virtude dos distraídos.  
Foi na distração que eu me apaixonei por um rosto que estava sempre na minha frente e eu não via. Foi por ter me perdido de mim que eu encontrei você. Tão assustada, ainda busquei urgentemente me reorganizar, me encontrar, e notei que você sumia da minha visão, lento e disforme. Mesmo mergulhada na minha urgência burra, o coração, que é o órgão menos atento do corpo, se desconcentra e se perde e eu te amava sem saber. A adrenalina viciante do “aqui e agora” virou vício e me consumia os dias, me fazia fragmentos de mim. Quis tanto comer o tempo que ele me comeu: os olhos tensos; a boca que cuspia teorias fajutas; os braços perdidos sem o abraço; o tempo me comeu para que eu morresse e renascesse nua – afinal é como se nasce: sem nada. A vida não é um encontro marcado.


Você foi o meu melhor desencontro.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Me calas

Me ensina a fazer verão com essa chuva rala.
Faz meu corpo boca, fala,
me calas.
Me ensina a dizer não
descobir o gosto do sim,
meio sede, meio inteiro
meio em mim.
Me encontra sem eu estar
nem sei onde eu fico,
me visto, me pinto .
Me coma com as mãos,
sujo, faminto.
Você.
Me seja você.
Me ensina com a boca que me fala,
molha feito chuva rala,
língua queima como sol de verão.
Você.
Me calas,
sem que eu tenha tempo pra dizer não.
O sim, o gosto da descoberta.
Você.
Me ensina a ter
você.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Passo a passo

O teu toque seco  
No meu corpo úmido  
Faz cócegas, riso,
Quando eu já fui.

O teu olhar fixo  
Cara a cara é espelho. 
me deixa nua em pelo  
quando eu já estou.

Seu pescoço alinhado  
Chama dente e língua, 
sugo o sangue da vítima  
quando eu já assassina.

O teu beijo escorrega, 
deixa uma pista, 
molha a cintura
quando abaixo fica.

O teu mundo é grande  
na cama infinita, 
me perco na esquina  
quando eu já 


sua


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Análise de um culpado


Escher – Auto-retrato
Tenho chorado entre pausas e compassos estranhos. Tenho querido a rapidez e por isso picotado o sofrimento, acelerado o inacelerável tempo d’alma. Tenho me impedido de chegar até a ponta da pedra só porque de lá eu veria tudo amplo e doeria nos olhos a claridade. Entre uma pausa e outra, reacendo a ilusão como quem bebe num pote vazio e engole o ar com sede. Tenho ansiado pela salvação, entregando o coração aos leões, sucumbindo por derrame de sangue pois a salvação é diferente da cura. A salvação nos permite lembranças já a cura é a vontade do esquecimento. Assim, tenho me colocado cara a cara com o perigo, cutucado e arrebentado feridas que por natureza secariam, mas eu tenho querido o “para sempre” e por isso tenho amolecido as cascas, tenho buscado a dor para ter o prazer doloroso que é sentir-se viva no tempo, o mesmo que insiste em se renovar sob a minha negação. Tenho ralentado as palavras, me apegado a lembranças soltas que me vem no mais puro sadomasoquismo de mim. Tenho formado montes de cartas na sala, todas inacabadas e curtas. Cartas unifraseadas, eu única de mim. Tenho querido a eternidade dentro dessa mortalidade que se chama viver. Tenho insistido na mesma posição do corpo e com isso adormecido o presente. Tenho sido mais o breu de meus olhos fechados do que a visão real por onde se esbarra.


Viver é sobreviver a si mesmo.

domingo, 26 de setembro de 2010

Nesse meio tempo que se chama...

Ela se via à espera e como toda espera, era calada e branca. Vazia - Mas esse vazio da espera é tão cheio, mas tão cheio que é vazio entende? Pensou por um instante. 
Passava os olhos por textos que ela escrevera em dias de tumulto. Aquelas frases e parágrafos poderiam ser escritos mil vezes que seriam iguais – talvez seja isso o que chamam de destino. Ela tinha de escrever aqueles textos, hoje considerados antigos, era como um modo de liberdade personificada. Sentia cada um deles com a voracidade de um “agora”. Cada palavra nua era ela vestida ou vice e versa.
Felícia sabia que, apesar de cada carta e cada texto terem dono, ele não saberia entender a grandeza que ela lhes oferecia pois essa grandeza, no papel, era vulnerável a pequenez dos homens que tem medo de ver. Seus escritos eram tão ela, que nem mesmo a própria conseguia enxergar com clareza. Sabia que todos os textos transbordavam numa nudez quase que sem-vergonha - quase.
Mas a espera. Felícia agora vivia a espera. E como toda ela, engajada em viver, não havia outra face se não a de quem espera, não havia uma posição para as mãos pois a espera nos faz esquecer que temos mãos, não havia um ponto fixo para o olhar, ele estava perdido naquele nada que é a visão da espera. Não havia ela naqueles dias, só havia a espera, esta que sem pudor consegue ser ao mesmo tempo o seu avesso, o inesperado. Não existia tempo para contar, somente o cansaço e o grande vazio branco. Nem uma palavra, nem um perdão,

a espera.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Eu só sei viver



Nós nascemos com vida e morremos sem ela, por isso eu tenho medo da morte. Eu só sei viver, eu não sei morrer! Mas as vezes a gente morre de dia e nem percebe.
Tenho vivido atenta, sempre conferindo a presença de ar no meu peito. A morte não é uma escolha, se fosse, toda vez que prendêssemos a respiração morreríamos. Suspiro muitas vezes pois viver cansa mas ainda assim o que sei fazer e portanto é a minha escolha, viver, viver, viver. Vivo tanto que as vezes morro no meio do caminho.
O ser humano é mais frágil do que se imagina. Morre-se por viver demais e por colocarmos a nossa conta em risco toda vez que se quer pagar pra ver. Morre-se num cruzamento de ruas congestionadas, morre-se à luz do dia ou no silêncio da noite, morre-se afogado em uma lágrima, morre-se muito de dores no peito, por um aperto cruel que pressiona todos os sentimentos como fossem espremidos, morre-se. Morre-se toda vez que se vive.


Acho que estou aprendendo morrer.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Devolva-me



Você deu toda a sua alma para ele, mesmo sem saber exatamente o que era isso, ofereceu cada partícula sua que continha o seu próprio cheiro. Você deu o seu cheiro a ele. Cada instante da sua vida era dele, cada palavra que se vestisse de metáfora era por causa dele e já vinha com o nome da inspiração nas entrelinhas: ele. Hoje você colocou uma placa na porta de casa, “procura-se” e a vizinha veio dizer: minha filha, você esqueceu de escrever o que você procura, com o coração aflito você explicou a ela que era o que estava escrito lá, estava à procura de si mesma. Se procurando desesperadamente, entre a angústia de se ter de volta e a necessidade da devolução.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O pensamento e o cone


Tropeçou nos cones que cercavam a areia delimitando o espaço. Estava tão distraída admirando aqueles garotos de pernas ligeiras que nem pôde ver a praia demarcada por faixas e cones laranja e branco

– Ei! Cuidado aí... Gritou um moleque de uns doze anos. Sem perceber, ela havia derrubado um dos cones. Os meninos faziam aqueles movimentos de zigue e zague com a bola que o olhar de qualquer um se deixa hipnotizar. Pôs o cone de volta no lugar e resolveu terminar a sua caminhada por ali. Ainda pôde escutar o menino resmungar, “mulher louca”, mas não deu bola.

Gostava de caminhar na praia porque lá parecia um lugar infinito, nunca aguentava chegar até o final e isso sempre deixava um gostinho de "quero mais" que ela guardava para o dia seguinte. Mas naquele dia a largura sem fim da areia foi finalizada por aqueles cones que saltaram de repente na sua frente.

Já em casa, enquanto tomava banho para tirar o sal e a areia, buscava um pensamento antigo que já não tinha novidade pra contar. Tomou banho com as lembranças e se secou com possíveis finais felizes. Foi até a cozinha esquentar o almoço. Não tinha vontade e comeu só com a fome. Arrumou o armário como pretexto de se perder em pensamentos - Coisas como arrumar armário facilitam a organização dos pensamentos. Separou umas blusas daqui, outras de lá, tudo na mais perfeita ordem. Suas arrumações com coisas eram cheias de coerência, facilitando encontrá-las quando precisasse. Assim como as roupas, a coerência só pertencia a ela, o que fazia dela a única que entendia seu armário. Lá no fundo avistou uma blusa que não usava mais e naquele momento lembrou novamente do assunto e se agarrou aos últimos fatos na esperança de poder reformular, repensar, mas tudo não saía do lugar.

Repassou as tarefas do dia e entre uma coisa e outra lá estava o mesmo fato, a mesma história. Havia uma coisa pronta e coisa pronta não dá trabalho nem papo. Se sentiu acuada pois nada tinha a pensar mais sobre aquele assunto. Descobriu que o pensamento também tinha fim e que ele era determinado pela lembrança. Andava distraída demais, louca demais para perceber.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Identidade clandestina

Leblon - RJ
Escuta a tua respiração,
escuta essa certeza de vida. 
Escute a certeza do teu corpo úmido
longínquo,
tão seu que é perto demais para se ver.
Sente que a saliva escorre,
que o teu cabelo repousa frouxo no teto de seus pensamentos.
Não abra os olhos por alguns instantes.
Existem coisas que são vistas a olhos nus
e outras que são vistas de olhos fechados:
Portas abertas servem para entrar,
igrejas fechadas adormecem em cristo.
Ouve a tua respiração pesada.
Porque afunda em si?
Esse elevador que é o teu tórax inflando e esvaziando,
essa tua dor de desembarcar no ultimo andar.
És um corpo com mãos,
um corpo com formas.
Deite-se como os teus braços,
repouse soluto como as tuas pernas,
esse corpo que te torna possível,
lágrima que te torna real.
Quem mora dentro de ti? 
Me diga e eu te darei um rosto.










quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Alguma coisa sobre a falta



Saudade é uma imaginação ousada, roça no meu rosto imitando a sua barba. Arrepia a minha nuca com a língua que me falta. E falta tanto que a minha espera transborda. Meu corpo arrepiado precipita o seu beijo, é a saudade repassando o caminho por onde você já esteve e ela só não me mata porque promete morrer, na rendição o homicídio doloso.

Sou como o copo sujo de leite, que tem a borda marcada pela linha branca, meu corpo é da sua medida: seco até a borda, cheio de sede. Sou qualquer coisa desesperada e aflita que se entrega às lembranças das mãos e do beijo denunciando o desejo infinito. Essa urgência infantil que me faz caminhar do frio ao fogo olhando a noite quieta, que adormece às preces prometendo o dia seguinte. O sol nasce longe e esse silêncio que perpetua inconveniente. Dizem que o mergulho num abraço fundo deve ser contido quando estampado na face, mas como disfarçar a morte da saudade? Como ler e reler um livro e não ansiar pelas páginas seguintes?

Meu exagero está do lado de dentro, o que escapa de mim são meus olhos perdidos te fitando, são os calafrios dos seus "quase- toques" na madrugada inconsciente, são as palavras que digo e em seguida disfarço desajeitada. E é só quando encontro seus braços que busco, cheia de fome, reafirmar suas mãos. Assassinamos a saudade entre beijos afoitos e apertões famintos.

Não existe crime, existe eu e você.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Rua sem saída


Não foi porque eu li Clarice e ela sempre me convence. Também não foi por um de seus vários “nãos” nem muito menos por aquele ligeiro “sim”. Não foi por eu não descer as escadas e me recusar matar os degraus para nos salvar. Não foi um daqueles gotejar de lágrimas nem soluço nervoso pois os olhos não se puseram a transbordar. Não foi por gastar a saliva, as horas vestida e nenhuma atenção especial. Não foi por eu ser mulher ou talvez uma parcela de culpa tenha sido por minha feminilidade, que não está nos vestidos não vestidos nem nas saias que desdenho. Não foi por deixar de avisar nem foi por calar de cansaço. Não foi pelo desentendimento nem pela coerência encontrada apenas na confusão. Não foi por não te amar.


Não foi.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Neruda

Talvez

Talvez não ser,
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma
flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento,
E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos... 

Pablo Neruda
 

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Em boca fechada não entra mosca





Certas vezes me calei dizendo algo. Poucas foram as vezes que não falei com a intenção exata de não dizer. Será que fui compreendida? Estou pensando em reunir todas as minhas falas, ditas ou silenciadas e embrulhar numa caixa bem grande, com laço exagerado de fita numa cor bem chamativa e dar de presente, assim, no maior descaramento. Quem sabe a curiosidade e o carinho no ego façam com que minhas palavras sejam lidas. Mas muita coisa nem viveu, perdeu o sentido, ficou atrasada. As palavras também morrem e com elas um pouquinho de nós mesmos. O sonho de todo monólogo é virar um diálogo, uma conversa e nem sempre esse sonho se realiza.
Talvez eu deva não dizer mais. Calar-me para sempre. Passei alguns dias recolhida aos meus segredos, fiz questão de construir cada um deles, guardá-los bem seguro dentro de uma capa qualquer que servisse. Foi bom enquanto durou.


Acho que estou morrendo um pouquinho.














sábado, 7 de agosto de 2010

Minha ânsia por Vinicius ou Minha ânsia, por Vinicius

Ânsia 

"(...)
A carne fugiu
Desapareceu devagar, sombria, indistinta
Mas na boca ficou o beijo morto.
A carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor
Que eu tinha a dor em mim como tivera a carne
Na violência da posse.
Olhos que olharam a carne
Por que chorais?
Chorais talvez a carne que foi
Ou chorais a carne que jamais voltará?
Lábios que beijaram a carne
Por que tremeis?
Não vos bastou o afago de outros lábios
Tremeis pelo prazer que eles trouxeram
Ou tremeis no balbucio da oração?
Carne que possui a carne
Onde o frio?
Lá fora a noite é quente e o vento é tépido
Gritam luxúria nesse vento
Onde o frio?
Pela noite quente eu caminhei...
Caminhei sem rumo, para o ruído longínquo
Que eu ouvia, do mar.
Caminhei talvez para a carne
Que vira fugir de mim.
No desespero das árvores paradas busquei consolação
E no silêncio das folhas que caíam senti o ódio
Nos ruídos do mar ouvi o grito de revolta
E de pavor fugi.
Nada mais existe para mim
Só talvez tu, Senhor.
Mas eu sinto em mim o aniquilamento...
Dá-me apenas a aurora, Senhor
Já que eu não poderei jamais ver a luz do dia."

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

...

e o vento frio que ressecava a pele, assobiava sério nos ouvidos dela. Nem a blusa branca de mangas compridas aquecia o corpo, nem o vento frio esfriava aqueles constantes pensamentos. Na casa, nenhuma palavra no sofá, se quer alguma pendurada no varal esperando secar, nem mesmo no tanque de molho, nada. Seus dedos frios, seus pés escondidos pelas meias de algodão, eram tão menos importantes do que a espera. Podia resumir-se em uma figura, um corpo que ainda sentia frio por algum descuido da natureza. Um corpo. Toda mulher que espera é somente um corpo. 





sábado, 31 de julho de 2010

Um poema de dar dó



Meu silêncio contou
que um poema sem nó
é um poema só.
Vagueia sem quê
nem para quê.
Já disse a ele
que a culpa é dele,
não larga de mim
me deixando tão assim.
Com peso e sem mala,
com dor mas sem palavra,
descarada,
sem nó,
muito só.
Um poema sem dó
não chega nem no fá,
o sol lá em cima
cochilando sem queimar.
Eu digo, pesa!
mas ele sem palavra
continua calado.
Então eu digo, queima!
e ele sem dó de mim.
Nem fá, lá...
nada.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Barulhinho bom


Vem chuva,
molhar meu atrevimento,
limpar minha vontade,

sugar todo o meu seco,
encharcar meus poros,
insossos, meninos.

Vem dizer que goteja,
que devasta,
que inunda.




Chuva pra entrar
trazer,
dizer.

Chuva pra ser de pingo,
muitos pingos.
Dosada.

E eu conta-gotas,
acreditando que posso
mas quem pode é chuva. 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mar pra virar areia


Eu estou chorando lágrimas, pois lágrima é a única coisa que eu posso chorar. Quanto mais lembro, mais choro. E poderia ser um choro feito de fotografias ou de perfumes que fizeram parte de mim. Mas ainda choro com lágrimas. E já que elas são molhadas, digo que estou chorando um mar inteiro, pois um grande mar faz mais sentido do que essas poucas gotas, salgadas.
Pode ser que um dia isso pare e com o seco as lembranças fiquem menos molhadas, mas por enquanto ainda faço tempestade dessa história, tenho o cuidado de umedece-la todos os dias de manhã e em todas as noites que não tenho sono.Qualquer pensamento é motivo para a garganta apertar e eu não sei qual palavra te dar. Me desculpe, amor. Estou menor do que você costumava ver, me sinto tão pequena que qualquer boca me engole inteira. Tão pequena, amor, tão pequena. Eu era uma imagem mais alegre, mesmo ferida, hoje sou apenas lágrimas, nada mais do que gotas de tristeza.
Eu quero chorar tinta que mancha, eu quero chorar música que fica, perfume que gruda, fotografia que marca, eu quero chorar pra sempre. Pois o que me preocupa é que as lágrimas secam. A lembrança faz do rosto um borrão sem perfume.

Mas lágrima ainda é a única coisa que eu consigo chorar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O destino das rosas

No jardim as flores murcharam
desinteressadas em crescer,
a vida escondida
nem se pôs a aparecer.

De volta no mesmo ponto
a frase já entoou,
sorriso e abraço apertado
já não dou por desamor.

Sem cócegas nem abre-alas
dizendo o que não falou,
abrindo o que não queria
querendo o que já deixou.

Os dias são só estradas,
soluço desanimou.
O medo que suspira
e rosa desabrochou.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Mas a cada dia nascem mais meninas




Tinha o cabelo liso e a vontade crespa. Tinha dois olhos pretos e muitos sonhos azuis. Sabia pouco sobre meninos e viajava muito. Escutava milhares de discos mas só gostava mesmo de alguns. A família é toda gorda e a menina era bem magrinha. Eram frequentes os encontros entre família até que passaram a guardar o estômago somente para os domingos. É sempre uma fartança grupal, além da ignorância grupal. Tinha a necessidade de escrever e a inspiração passageira. As vezes dormia entupida de palavras e noutras dormia vazia. Tinha por destino amar e como desatino Roberto. Por Roberto, tinha também os olhos frouxos, que soltavam água salgada quando não se entendiam. Ela podia gastar as horas pensando na vida. Era inteligente para arrumar “porquês” e nem sempre o mesmo para descobrir respostas. Sabia assobiar bem e chamava todos com a boca. Falava pouco e quando preciso muito. Tinha sede de entender e fome para viver. Era menina quando viva e lembrança quando...



Mas a cada dia nascem mais meninas.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Recado




Me ame com os olhos nus. Me dispa com as mãos sujas e nos limparemos entre o suor e a vontade. Me olhe com o amor, me fale com a coragem e me procure com a saudade. Me roube com a certeza e não me devolva por ter incerteza. Me queira com a loucura e me tenha com todo o perigo. Hoje chegarei mais tarde, tem comida na geladeira é só colocar para esquentar,
 
Beijos, até de noite.

domingo, 11 de julho de 2010

O único problema é que nascera humana.

Sentou cansada no sofá. Na verdade estava exausta. Aqueles dias não estavam sendo fáceis e completavam-se dois meses de insônia. A graça lhe escapava pelas mãos ao ponto de ficar completamente sem graça quando alguém lhe chamava pelo nome, “Graça!”. Depois da nostalgia, sabia que poderia vir a ironia, aquela graça malandra que todo mundo tem guardado. Não pensou no futuro. Só o presente mal cheiroso é que importava. Quem aguenta sentir mal cheiro mais que alguns minutos?!

Decidiu-se pela loucura e foi por telefone que ela falou. Resolveu aquela situação que não podia mais sustentar, ou cheirar se assim posso dizer. O estranho é que junto com uma leve satisfação selvagem, ao desligar o telefone seus pensamentos continuaram a viver, como se nada tivesse acontecido! Além de louca seria cruel?

Não se levantou, nem buscou ar na janela. Não quis contar a um amigo nem se debulhou em lágrimas. Apenas viveu. Pensou que todos deveriam ser daquele jeito. Depois pensou em chorar, mas a vontade não vinha. Sentiu-se muito mal por não ter aguentado mais um pouco. Por ser tão humana que o maldito cheiro ela não pudera suportar. É a vida. Por falar em vida, o cheiro horrível vinha de um animal morto, contei? E foi só depois que ela descobrira o óbito, que decidiu não sentir mais o tal cheiro.
Agora podia viver.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Um corpo nu




Soube que mulheres gostam de usar bolsas. Houve uma época que elas eram enormes feitas sob medida, a medida do desespero. Marina é da parte que sobrou – as que não gostam de bolsas. Nem pra lá nem pra cá, o bom mesmo é guardar as necessidades no bolso.
Além do sangue e das curvas que marcam, mulheres costumam usar penduricalhos que servem como enfeite ou como acréscimo de si mesmas. Marina gosta de pouco e com o pouco sentia-se bem, bem leve. Olhando nas ruas, muitas vezes chegou perto de se arrepender ao ver que tantas outras, muito parecidas com ela, exibindo suas “bolsa-acréscimo”, pareciam ter encontrado a combinação perfeita. Mas se tão logo observasse mais além, o que fazia de costume, via mulheres que mesmo sem nada pendurar, deixava estampado no rosto que faltava-lhes algo. Figuras que denunciavam seus vícios e sua pouca independência nesse mundo contemporâneo. A verdade é que o mundo continua sendo mundo e mulher continua sendo mulher. Esses corpos viciados, andavam tristes pelas ruas e por vezes esbarravam no de Marina, representante de uma pequena porcentagem feminina. Leve como quem voa e como quem não tem e não quer ter nada acrescentado em si. Ela gostava do rascunho e não via graça no desenho pronto, pintado. Achava que um quadro pronto determina o fim da linha. Se alguém imparcial – alguém que não é gente e não existe, pois a imparcialidade é o gosto da ilusão, visse com seus olhos de imaginação essas mulheres que caminham pela cidade com abstinência de bolsa, e outras, apenas algumas, que caminham leves apreciando seus próprios ombros nus, o peso cru de seus corpos, este poderia se confundir.
Marina continuava mulher e ainda gostava de caminhar leve, mas passou a ficar intrigada com a denúncia dos corpos. Sentia que olhando as mulheres, tão femininas quanto ela, podia quase que adivinhar seus nomes secretos. Os traços, pintados ou crus, diziam mais do que gostariam. Tudo escapa do corpo e disfarça-se quase tudo com palavras. Dias se passaram e numa noite dessas, calada, ereta na cama, Marina orgulhou-se de não precisar de bolsas e de ser feliz caminhando com pouco. Naquele instante, lembrou de Orlando, não o tinha mais, somente as lembranças que levava consigo por onde quer que fosse.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Dias como Lóri...

"(...) Agora lúcida e calma, Lóri lembrou-se de que lera que os movimentos histéricos
de um animal preso tinham como intenção libertar, por meio de um desses movimentos, a
coisa ignorada que o estava prendendo — a ignorância do movimento único, exato e
libertador era o que tornava um animal histérico: ele apelava para o descontrole —
durante o sábio descontrole de Lóri ela tivera para si mesma agora as vantagens
libertadoras vindas de sua vida mais primitiva e animal: apelara histericamente para
tantos sentimentos contraditórios e violentos que o sentimento libertador terminara
desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como, estava
cansada do esforço de animal libertado.
E agora chegara o momento de decidir se continuaria ou não vendo Ulisses. (...)"

Clarice Lispector em, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Alinhamento


Deixo que teus olhos me toquem
porque vos quero.
Deixo a tua voz forte e doce
pois estremece os ouvidos e a face.

Já foi tempo que deixar era verbo sem destino,
pairava no ar...
conversa fiada...
Saco vazio que não tinha nem pé.

Mas sabe-se que o vento desordenado
o rumo é a sorte
e encontra nos braços de uma curva
o caminho para casa.

Lá se vai uma antiga solidão.
Deixo que me queiras
porque te quero,
tanto quanto os braços se curvam à sorte.

sábado, 19 de junho de 2010

Dois em um

Feche a porta que eu agora vou falar a sua língua.
Quem sabe um dia encontrar a nossa vez,
entre salivas e muitas sílabas,
talvez encontrar a nossa forma.
Será que existe um sabor e um aroma
tão conhecido
que direi:
nem meu,
nem seu,
nosso?

domingo, 13 de junho de 2010

Relógio de pulso

Já foi tempo.
Tempo demais,
tempo de menos,
findou-se o tempo.

Marcado pela cicatriz,
rasgado pelo ponteiro,
já faz tempo
que foi.

Tempo que será,
tempo que vier,
tempo.
Vigília antiga.

Já testei os segundos,
desisti dos minutos,
deixei correr solto,
e o tempo passou ligeiro.

As horas infinitas
me curaram da dor,
me deram sermão,
secaram as feridas.

Em tempo bom
é hora de sorrir,
em tempo ruim
usa-se muitas roupas.

O tempo no rosto
que esconde a vontade,
que fala sobre saudade,
que deixa escapar a ingenuidade.

Indomável, tempo.
Me olha nos olhos
e passa por mim
sem nem "até logo" dar.

Faz um tempão,
um tanto que não cabe na mão
nem saliva para contar,
nem coração que há de aguentar.

Me dê um minutinho,
só esse
aquele,
qualquer um que eu possa pausar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Pra não saber, para descobrir.

Quanta dor cabe no tempo?
Uma conta, algumas lágrimas.
Qual é o peso da angústia?
Uma medida um coração.

Quanto vale o erro?
Uma dívida, um perdão.
Qual é a largura do desejo?
Um braço, o corpo inteiro.

Qual é a cor da paixão?
Sangue quente, vermelho.
Quanto choro cabe numa dor?
Um travesseiro, um mar de lágrimas.

Qual é o caminho da dúvida?
Duas estradas, nenhuma placa.
Que altura tem a escolha?
Um tombo, a morte.

Qual a intensidade da inquietação?
O infinito, um desespero
Qual a idade da velhice?
O mal humor, algumas rugas.

Qual o limite da razão?
A realidade, uma emoção.
Quanto vale o amor?
Uma dor, um encontro.

sábado, 29 de maio de 2010

Escute

Estou aqui tentando amarrar as palavras de modo que elas pareçam um texto. Puxa daqui, acentua de lá, mas elas insistem em prosa virar.
Meus dedos em comando,
percorrem as ruas do papel
quase fazendo virar poesia,
na verdade acomentedo
de um modo inconsciente,
como deve ser.
E em todo o sentido, em todo o silêncio que as letras guardam, me encontro. Mesmo que haja céticos à espreita ou denúncias de falta de prudência, ainda que a ausência de moral ou de uma mensagem seja o feitiço virando-se contra o feiticeiro, ainda assim terei o silêncio. O silêncio que as vezes dói e arde feito líquido venenoso, mas tão sábio que se cala, reservado à sua dor. 
As palavras brincam no papel. Brincam de serem felizes, de serem completas, de tentar alcançar o muro sem fim do amor. Tudo num completo silêncio que desagrada aqueles que esperavam ouvir berros de bocas no mínimo enfurecidas, (quem escreve é sempre alguém que deseja gritar ao mundo...?). Até hoje, no máximo, eu consegui alguns sussurros com a escrita. Escuta esse silêncio que é seu, que é nosso como o copo de vinho que te ofereço, não é embriagues nem alucinógeno, é o silêncio profundo das palavras. Quando me ler, não imagine a minha voz pois a sonoridade atrapalha escutar o silêncio, também não procure a compreensão, ela nunca está pronta e é essa a motivação das frases. Leia-me sem som e sem voz. A mudez é a eficiência do texto. E somente o silêncio das palavras é que nos reserva a sabedoria antiga, velha, com tanto cheiro de mofo que é preciso lutar contra a alergia, alergia de “desentender”, “desencantar”, de “desconstruir”.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Olhos de horizonte

Eu estou na beira do mar
esperando o barco passar.
Ele passa soltando fumaça,
acenando.
Marinheiros em balsas
só para a foto tirar,
apertar o coração pequeno
de um lado e de outro,
essa esperança sufocada.
Eu estou do lado de cá
esperando o barco passar,
só pra ver se ele vem.
Sinal de fumaça
ou carta cheia de graça,
agora ele nada.

domingo, 23 de maio de 2010

Grand finale

Não lhe disse ser feliz, pois feliz ela não era. Fechou o corpo com jeito, decidida a não procurar mais pelo desejo escasso, já sendo forjado. Abriu-lhe os braços, corpo em oferta, para o afago de um coração, talvez dois. Não foi gentil, pois não havia maneira de ser. Disse poucas palavras, repetidas, gastas, puídas pelo tempo e o cansaço, virou-se e foi de volta pra casa.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pequeno querer

Ele é tão bom pra mim que eu nem sei qual é a resposta que se dá a bondade. Quando ele sorri, o meu rosto se mexe em êxtase, involuntariamente, expressando felicidade. Nos olhos de querer, eu vejo quase que uma forma, como um alvo, me sinto como o centro do alvo se sente, pequeno e desejado. Quando ele me fala aos ouvidos, não sei de mais nada, não sinto o chão nem minha pele, mesmo estando grudados em mim. E quando ele se irrita, eu fico olhando, me desviando das faíscas e desvendando algo novo, através de sua loucura.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Branco papel,


São meia-noite e olho para o papel em branco. Talvez eu queira lhe contar algo, talvez ele queira me mostrar algo. Talvez esse infinito que me invadiu queira de mim algumas palavras e frases, na verdade toda a intensidade de meu corpo, dos desejos e da alma. Só sei que são meia-noite. E toda noite é um encanto diferente que me invade, feito sede de contar ao nada, este que me acompanha, todas as minhas histórias e revive-las em apenas m-e-i-a-n-o-i-t-e. Quero rasgar o papel, come-lo com a fome de meus dias sofridos, cortar em pedacinhos do mesmo jeito como a vida se apresenta, depois gostaria de colar parte por parte para descobrir o segredo do todo. Sinto gritando em mim, uma vontade voraz de contar a ele, (o papel), que sua cor me incomoda e que seus espaços vazios eu quero preencher, como os momentos me preenchem e invadem e percorrem meu corpo deixando mente e sentimentos misturados, feito alimento deglutido. A noite cada vez mais silenciosa, agora briga com meu burburinho. Já não há organização para o que sinto, nem cumplicidade a oferecer, nem lamurias para contar. Aqui, um tanto de sorte abraçada na coragem que o papel em branco ficaria vermelho, emcabulado e sem forma.

Branco papel, tão acostumado com palavras, frases, sentidos e formas gramaticais, o que tenho dentro de mim é grande demais para o seu formato quadrado - que seja, retangular. Não encontro palavras para exprimir esse burburinho. Agora já passa da meia-noite e conforme ela se completa para virar noite-inteira, eu não te preenchi se quer com uma letrinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010



Está tão pesado,
tão pesado ser eu
é...eu mesma
sendo uma
sendo todas as vontades
todas as minhas verdades
todo esse mar.
Me afogo
em mim,
eu me afogo.





domingo, 9 de maio de 2010

"O início o fim e o meio..."


Deus e mãe são tão parecidos.
Me abraçam me amolam, me ensinam.
Deus e mãe é como o dia com sol, o dia com chuva, a noite, o sono...

- Mãe, onde está Deus, quero saber onde ele fica. Ela responde com calma de mãe - Ele está aqui dentro, e aponta para o peito ingênuo do filho.

Mãe e Deus são assim tão grandes, são assim incalculáveis, que o abraço quase não afaga o seu tamanho de Deus, o seu tamanho de mãe.
Encontro com Deus todos os dias, no ar, no silêncio, no medo de amar, na coragem, em mil, em um só, em todos.
Mãe é o início, sem escolha é o meio, junto com Deus ela é o fim. E Deus e mãe fazem o homem, fazem o homem...

Deus, cuida da minha mãe?

domingo, 2 de maio de 2010

Sem mais lararará...


O haver 

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vincius, sempre Vinicius de Moraes.
           

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Obra única

O frio fazia tremer as pernas e os braços, ingênuos membros. Ao deitar tudo era único. O momento e as paredes, aquela cor em penumbra, os lençóis guardados e predestinados a nos acolher. Foi tão estranho aquele dia, o mundo não havia parado mas rodava solto em volta da história que eu construía, que nós tecemos parte por parte. Girava tudo ao redor, feito embriaguez certa, fruto do tinto e tantas taças derramadas calor a dentro.
A avidez do olhar, trabalhando junto com as mãos, oras de pincel, oras de lápis que rabisca um traço a procura do desenho, não deixava dúvidas sobre a arte final. O quadro clamava pela pintura, suplicando que fosse sutil na escolha de cada cor, harmonizados estavam: quadro, artista e tinta. O vinho fez dizer mais do que o planejado, mas não mais do que sentia. Foi num balanço de marinheiro, num caminhar de velho moço, num amor feito de flor...a menina calou _ _ _ _ _
A alma acelerou fundo no peito inflado e vazio, inflado e vazio. A sorte a solta pelos campos de verdades e mentiras, havia enfim se cumprido e um riso frouxo escapou da boca seca, alma limpa e o corpo já não mais tímido.

domingo, 18 de abril de 2010

Todo dia 17 de abril

"Sou ariano. E ariano não pede licença, entra, arromba a porta. Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes, mas você está vivo e essa vida é pra ser mostrada. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra se encontra, por mais que se perca no caminho."
Cazuza

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Você


Quero oferecer-te versos,
os melhores que eu puder pintar.
Em coro,
eu quero sonar teu nome
já grudado na minha saudade.
Quero as flores secas,
desabrochadas,
vivendo pelo teu sorriso torto.
Quero o meu querer
afoito e atrevido,
o que nunca foi vivido.
Carinho.
Meu olfato é do seu cheiro
meu beijo é do teu gosto
meu corpo da tua mão
meu querer,
você.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

latrocínio

Saborear,
divertir-se e disfarçar,
a pele roçar,
o pescoço torcer.

Mãos suadas e frias,
peito quente e latente.
Sugando com os olhos
o calor que vicia.

Segura, vestida
imaginação despida,
intimando,
trazendo, levando.

Sorte a solta
na esquina apressada,
como o vestido esvoaçado,
inquieto no corpo de menina.

Esse encanto no canto
do perigo instante
suado, pesado,
assassino,

leva mentes ao rompante
da razão emocionante,
da mordida proibida
dada pelo suicida.

O corpo estirado.
suspiro pesado
sem volta ao ato,
desatado o laço.

Na solução dos corpos
o alívio do pecado
certeiro,
previsto e consumado.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ser gente

Quando o mar não faz mais tanta força para chegar até minhas pernas, quando ser gentil virou sinônimo de compaixão, quando a poesia dói no peito como choro preso da covardia, a vida cala com expressão de sermão, puxão de orelha...É um sinal que viver é caminho certo (ou acertado), desde a maternidade e o primeiro choro. "¹Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga idéia de paraíso que nos persegue, bonita e breve (...)".
Procuro me agarrar ao passado tentando não perder a segurança já que o presente é sempre tão cansativo. O presente é a tarefa árdua e ao mesmo tempo pode ser o prazer único. Lá de longe vejo o futuro, tão charmoso sempre sedutor.
Vida, eu estou chegando...



¹- Escrito por Cazuza.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

MERDA!

Primeira vez participando do festival e o friozinho na barriga não me deixa.
Amanhã estarei no elendo do espetáculo Os Melhores Anos de Nossas Vidas, abrindo o Festival de Teatro do Rio de Janeiro, com platéia cheia entre parentes, amigos e um júri de olho no conjunto da obra.

Desejo a todos nós, MERDA!

Para quem quiser dar uma olhada na programação:
http://www.teatrogtt.com/programacao.html

segunda-feira, 29 de março de 2010

A droga da verdade

Admito o meu vício como forma de pedido de salvação. Muitas vezes disfarcei justamente para poder me drogar e me dopar, ou dopar ao outro se possível fosse. O papo ia, vinha e lá estava eu, acreditando na suposta verdade que surgia, sem lembrar que todas são supostas e verdade mesmo, nenhuma. Entre o número um e o  número dez (no auge da conversa), haviam muitos dois e três e quatro, até oito e nove! E eram eles, neles, com eles que eu contava para me deleitar de tentativas frustradas em alcançar...não sei, mas eu buscava algum topo onde eu pudesse me sentir segura. Entre verdades e mentiras, descobri que existia algo incomum entre os dois extremos: meias verdades são filhas mal criadas da mentira e da verdade. De meias em meias, eu não completei um inteiro, sequer uma metade que fosse verídica até o fim. As doses foram aumentando, sem controle. E entorpecida, o efeito era a certeza, a viagem ilusória e a consequência era a fome de mais e mais. Até me dar conta de que a droga da meia verdade não me levaria a lugar algum e resolvi me desentoxicar.
Hoje sofro de abstinência. O efeito é a incerteza a consequência é a descrença e o benefício é a falta de verdade?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Lugar comum


Onde vai a tua sorte
divisora de pacotes,
todos esses que me trouxe
com o sonho doce de seu Jorge.

Os caminhos e histórias
tantas essas que te acolhem,
são lugares de saudade
pintam e fazem a cidade.

O teu nome é moradia,
o teu laço é simpatia.
No final vão nos dizer
que só pode vir para crer,

as casinhas de varanda,
os barracos enfeitados,
o pão e o seu Jorge
de gosto doce de leite,

guardado na pele franzida.
Trêmulos, os dedos do tricô
preparam o café da tarde
saboreando o mesmo sonho.

terça-feira, 23 de março de 2010

(in)certezas

Eu inventei tudo sobre cartas e mentiras.
Vesti com panos de cores quentes
a sagrada verdade de um coração.
Quebrei protocolos,
servi doses altas de destempero e agonia,
fui ingênua pra tentar descobrir
duvidando de tudo o que não me fazia rir.
Não esperei cortejo na sacada
nem joguei tranças para o sapo,
segui forjando a certeza de um coração.
Confiei à espera, os meus infinitos desejos
entreguei ao amado todo o meu pranto pesado
sem  o afago decente de um amor de verdade,
sofrendo pelas frases que se completam
quando acertam o nome de cada emoção,
me alimento do sufoco com gosto de areia seca
do deserto consciente de sua grandeza
necessitado, como o homem,
da água que alimenta,
do amor.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A última carta


Eu não quero o seu amor cruel, tão pouco o seu amor gentil, sorrindo um arreganhar-se conquistador que aos poucos faz da distância a real certeza desse encontro. Eu disse palavras e versos tão soltos aos seus ouvidos quanto o céu que eu quero pra mim, mas não me tenha mal. Perdoe-me por saber, por conhecer o perigo e aceitar correr esse risco com você, mas as damas, como eu, são frágeis demais ao encantamento de um suposto amor, meu bem. Querido, o chá esfriou, estou a horas tentando lhe avisar, prevendo o amargo que sua boca, tão frágil, experimentaria. Nem mais açúcar, nem mais erva, mas um efeito camomila para o nosso devaneio. Não me suporte. O peso de alguém que deseja o mundo, é a ilusão de segurar o que não pode carregar para si. Não vamos compartilhar do seco da minha xícara nem do amargo do chá que esfriou nas suas mãos.

Sobras e folhas velhas de árvores viscerais, esperam de nós dois uma intimação. Fomos tolos, por vezes bondosos um com o outro, mas esse amor de quem "quer bem" não se tornou Amor daquele que apostamos nossas vidas com afinco e penitência. Redescobri em mim o sangue vivo, molhado, correndo em minhas veias me avisando que a vida tem mais chão para descobrir que a nossa cavalgada a dois pode alcançar. A hora da partida foi marcada desde os nossos primeiros passos tortos, vamos assumir essa distância entre nós e deixar que ela fale por si só, é preciso desacostumar-se, desapegar-se e nos despedir.

quinta-feira, 11 de março de 2010

A mulher sutíl

Não pretendo escoder-te nada, nada além do que é amar-te. Mas as vezes amor, muitas vezes, eu mesma me perco, e como agora, perdida, não esperes de mim uma explicação convincente pois falta a mim convencimento do que quer que seja sobre nós, sobre mim... sobre eu estar com você.
Não me contento com a calmaria, não sei o que fazer com o que está parado em posição já conhecida. De silêncio me guardo. Fico sem nada. Nada para oferecer-te e talvez nem a mim mesma, perdida.
Busco a beleza, a dinâmica da paixão, os entrelaços do amor, o rosto de vontade...não vejo nada.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Troço de Pedra Mentirosa

Troço.
Esse troço,
esse troco que desdém.
Eu entendo a sua dúvida,
eu disponho a minha dívida.

Pedra
Essa pedra de alguém
que fez um machucado
a quem tanto lhe convém.

Mentira,
eu mentia pra tentar chegar
num lugar pintado
e forjado
dedicado, dedicado.