sábado, 29 de maio de 2010

Escute

Estou aqui tentando amarrar as palavras de modo que elas pareçam um texto. Puxa daqui, acentua de lá, mas elas insistem em prosa virar.
Meus dedos em comando,
percorrem as ruas do papel
quase fazendo virar poesia,
na verdade acomentedo
de um modo inconsciente,
como deve ser.
E em todo o sentido, em todo o silêncio que as letras guardam, me encontro. Mesmo que haja céticos à espreita ou denúncias de falta de prudência, ainda que a ausência de moral ou de uma mensagem seja o feitiço virando-se contra o feiticeiro, ainda assim terei o silêncio. O silêncio que as vezes dói e arde feito líquido venenoso, mas tão sábio que se cala, reservado à sua dor. 
As palavras brincam no papel. Brincam de serem felizes, de serem completas, de tentar alcançar o muro sem fim do amor. Tudo num completo silêncio que desagrada aqueles que esperavam ouvir berros de bocas no mínimo enfurecidas, (quem escreve é sempre alguém que deseja gritar ao mundo...?). Até hoje, no máximo, eu consegui alguns sussurros com a escrita. Escuta esse silêncio que é seu, que é nosso como o copo de vinho que te ofereço, não é embriagues nem alucinógeno, é o silêncio profundo das palavras. Quando me ler, não imagine a minha voz pois a sonoridade atrapalha escutar o silêncio, também não procure a compreensão, ela nunca está pronta e é essa a motivação das frases. Leia-me sem som e sem voz. A mudez é a eficiência do texto. E somente o silêncio das palavras é que nos reserva a sabedoria antiga, velha, com tanto cheiro de mofo que é preciso lutar contra a alergia, alergia de “desentender”, “desencantar”, de “desconstruir”.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Olhos de horizonte

Eu estou na beira do mar
esperando o barco passar.
Ele passa soltando fumaça,
acenando.
Marinheiros em balsas
só para a foto tirar,
apertar o coração pequeno
de um lado e de outro,
essa esperança sufocada.
Eu estou do lado de cá
esperando o barco passar,
só pra ver se ele vem.
Sinal de fumaça
ou carta cheia de graça,
agora ele nada.

domingo, 23 de maio de 2010

Grand finale

Não lhe disse ser feliz, pois feliz ela não era. Fechou o corpo com jeito, decidida a não procurar mais pelo desejo escasso, já sendo forjado. Abriu-lhe os braços, corpo em oferta, para o afago de um coração, talvez dois. Não foi gentil, pois não havia maneira de ser. Disse poucas palavras, repetidas, gastas, puídas pelo tempo e o cansaço, virou-se e foi de volta pra casa.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pequeno querer

Ele é tão bom pra mim que eu nem sei qual é a resposta que se dá a bondade. Quando ele sorri, o meu rosto se mexe em êxtase, involuntariamente, expressando felicidade. Nos olhos de querer, eu vejo quase que uma forma, como um alvo, me sinto como o centro do alvo se sente, pequeno e desejado. Quando ele me fala aos ouvidos, não sei de mais nada, não sinto o chão nem minha pele, mesmo estando grudados em mim. E quando ele se irrita, eu fico olhando, me desviando das faíscas e desvendando algo novo, através de sua loucura.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Branco papel,


São meia-noite e olho para o papel em branco. Talvez eu queira lhe contar algo, talvez ele queira me mostrar algo. Talvez esse infinito que me invadiu queira de mim algumas palavras e frases, na verdade toda a intensidade de meu corpo, dos desejos e da alma. Só sei que são meia-noite. E toda noite é um encanto diferente que me invade, feito sede de contar ao nada, este que me acompanha, todas as minhas histórias e revive-las em apenas m-e-i-a-n-o-i-t-e. Quero rasgar o papel, come-lo com a fome de meus dias sofridos, cortar em pedacinhos do mesmo jeito como a vida se apresenta, depois gostaria de colar parte por parte para descobrir o segredo do todo. Sinto gritando em mim, uma vontade voraz de contar a ele, (o papel), que sua cor me incomoda e que seus espaços vazios eu quero preencher, como os momentos me preenchem e invadem e percorrem meu corpo deixando mente e sentimentos misturados, feito alimento deglutido. A noite cada vez mais silenciosa, agora briga com meu burburinho. Já não há organização para o que sinto, nem cumplicidade a oferecer, nem lamurias para contar. Aqui, um tanto de sorte abraçada na coragem que o papel em branco ficaria vermelho, emcabulado e sem forma.

Branco papel, tão acostumado com palavras, frases, sentidos e formas gramaticais, o que tenho dentro de mim é grande demais para o seu formato quadrado - que seja, retangular. Não encontro palavras para exprimir esse burburinho. Agora já passa da meia-noite e conforme ela se completa para virar noite-inteira, eu não te preenchi se quer com uma letrinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010



Está tão pesado,
tão pesado ser eu
é...eu mesma
sendo uma
sendo todas as vontades
todas as minhas verdades
todo esse mar.
Me afogo
em mim,
eu me afogo.





domingo, 9 de maio de 2010

"O início o fim e o meio..."


Deus e mãe são tão parecidos.
Me abraçam me amolam, me ensinam.
Deus e mãe é como o dia com sol, o dia com chuva, a noite, o sono...

- Mãe, onde está Deus, quero saber onde ele fica. Ela responde com calma de mãe - Ele está aqui dentro, e aponta para o peito ingênuo do filho.

Mãe e Deus são assim tão grandes, são assim incalculáveis, que o abraço quase não afaga o seu tamanho de Deus, o seu tamanho de mãe.
Encontro com Deus todos os dias, no ar, no silêncio, no medo de amar, na coragem, em mil, em um só, em todos.
Mãe é o início, sem escolha é o meio, junto com Deus ela é o fim. E Deus e mãe fazem o homem, fazem o homem...

Deus, cuida da minha mãe?

domingo, 2 de maio de 2010

Sem mais lararará...


O haver 

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vincius, sempre Vinicius de Moraes.