domingo, 18 de dezembro de 2011

Nota interna (muito interna) ou intimidade de alguém que não sou eu mas de certa forma é, mas de certa forma não é

Não sei se posso chamar de honestos os sentimentos que vem me tomado in-tei-ra. Talvez isso importasse, se não fosse pela intensidade e arrebato desse avalanche - o palpitar e a elevada temperatura do corpo já perceptível, constrangedor. Como um afogamento de conclusões tiradas dentro da minha própria cabeça; minha imagem tendo que ser preservada (a grande custo) para assim não passar como louca, fica difícil manter a tempestade dentro. Verídicos os pensamentos ou não, com ou sem fundamento, o único fato sazonado é que: não os quero. Essa aflição de quem não pode afirmar mesmo quando no interior aquele tumor já se tornou, já cresceu e agora existe. É duro viver, pois se tem o vício dos pensamentos. Eu queria apenas pensar e no entanto, sofro, sem saber forma de parar o que eu já inventei uma vez, dando voltas, assombrando, controlando para não expor e me perdendo entre o que falo e calo. Estou perdida na ordem dos fatos (ou fragmentos) e por isso me esquecido que te amar deveria ser sempre agora.
O que eu tenho visto como absurdamente grande, não sei medir ao certo, pois não tem pontas e a isso atribuo meu desnorteio e o tamanho/imensidão do medo. São muitas linhas que se cruzam numa vertigem minha, só minha, num louco “apreço” aos meus devaneios, fica as vezes difícil contar pra quem quer que seja, a não ser eu mesma lutando e em silêncio. Entretanto, absurda mesma é a nudez que representa o encontro de duas pessoas, encontro esse, que não há como negar a grandiosidade (ou gravidade) do fato se nos sentirmos únicos, dois. E aqui chegamos no ponto, não sei o que fazer com a minha sorte. Meu quinhão, a única e primeira verdade antes de toda a insegurança, que começa em você e termina em mim e vise e versa.

Como se fosse fácil não enlouquecer.


Escutando Cat Power - He War

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O copo, meu mundo, minha tempestade



Dentre os meus quereres, como forma de sobrevivência: quero poder desdizer tudo aquilo que disse e quero manter a calma de estar no meio da vida sem explicação. Mas de repente tenho 23 anos, a vida seguindo na velocidade do meu desespero, tendo que construir meus próprios castelos e ainda lidar com o fato de não saber nada cada vez que eu sei alguma coisa, porque é assim que funciona essa máquina do tempo, indo sempre pra frente, nunca pra trás. Preciso controlar minha euforia da busca de uma calma que eu desconheço, e que é justamente a calma de desconhecer. A dureza da realidade não tem me permitido metáforas, quando azeda, é porque realmente está azedada. As tristezas tem sido tão reais, que são apenas tristezas, nada de poesia, nada de achar graça nas desgraças, apenas a seriedade que é a grande morte silenciosa das pessoas, como consequência de uma exigência traiçoeira. Eu tenho medo do que o mundo está fazendo comigo, do que vem fazendo com as pessoas e novamente do mundo.

domingo, 13 de novembro de 2011

Sertão de mim


Estou num estado em que já nasci sabendo o nome das cores, quando na verdade cada uma delas me foram ditas até que eu as aprendesse: céu, maçã, com ou sem gosto, brancas ou pretas.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Um dia no amor



Como se não soubéssemos
que são quatro olhos e duas bocas,
encaramo-nos.
E na sua boca tem minha vontade,
nos seus olhos sua fome,
me come.
Dentro de um silêncio
mantra,
uma paz que eu não sei rezar,
perdoai-vos eles não sabem o que fazem

e por não saber
vemos,
cheiramos,
lambemos,
beijamos,
mordemos,
sentimos,
e até sofremos.




Ouvindo Rosa - Devendra Banhart

domingo, 23 de outubro de 2011

O pão nosso de cada dia nos dai hoje

Escrevo não por gula, é com o vazio de uma fome. O pensamento vai tomando, comendo as linhas. Estive (estou) enfastiada, mas mais tarde virá outra fome e sempre virá a fome. Amém.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sendo

...e mesmo passando dias do ano que não acaba nunca mais, existe uma proteção prudente de minha parte quanto ao o desânimo fatigante que tenho sentido, ocorre que essa coisa é tão profunda, como um buraco sem fim de uma ferida aberta, que eu não posso com ela. O cansaço portanto, é a própria prudência de não me deixar ir além e ver o chão dessa ferida. Prefiro desconhecer tal horror, mesmo que o espelho tenha a minha cara. Entre tantas pessoas de narizes em pé - um cansaço infinito de ser muitas vezes "obrigada" a trocar palavras com elas, entre o ônibus que quando você quer e precisa, ele nunca passa e desfilam na sua frente os que você não quer e não precisa, entre o dinheiro, a conta bancária as dividas somadas aos sonhos e o resultado que diminui, reduz e até anula meus planos, um cansaço. Mas me canso pra me manter viva. É isso? não sei...não sei...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Deixa sentir

Deixa chegar
e ela franze a testa
deixa chegar
e ela assume as próprias sobrancelhas,
(de um jeito que devia doer).
Deixa sentir
e aí já era demais,
ela sucumbiu ao medo
de já estar sentindo tudo

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ato de consumação

“assim como para se ter o incenso o único meio é o de queimar o incenso” C.L


Pedacinho de mim que..comeram. Deixam cair farelo no chão. Minha cabeça dói quando vejo a sujeira espalhada e fico igualzinha ao chão, imunda. Descubro, quando me comem, que sou isso mesmo, parecida comigo mesma e isso também me causa certa dor de cabeça. Me comem, me engolem e há quem me cuspa. Só é bom mesmo quando me saboreiam, aí até dou as minhas bocadas no outro.

Não é fácil lidar com os pedaços que tenho que distribuir de mim, na verdade como é complicado lidar com as pessoas as quais me dou e me doo. Distribuída entre as que são histórias, que são pessoas e que novamente são histórias, tornando pesado sustentar a troca, que as vezes nem existe. E nem sou minha, nem ao menos eu me como,

mas tenho que me engolir.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pequena carta


Eu não sei o que eu faço com esse carinho, e por não saber o que fazer com ele que eu quero passar as mãos nos teus cabelos, ver você fechando os olhos devagar e abrindo-os de novo. Quero beijar essa parte do seu pescoço que eu não consigo parar de olhar enfeitiçada. Quero, por euforia, mordiscar um pouco da sua pele e poder ainda ver seus poros arrepiados e suas mãos respondendo ao meu “não saber”. Quero fazer carinho no seu carinho, como forma de dizer umas coisas que nem sei, mas sinto. Amor, quero fazer amor com você, por pura, pura falta de coisa mais forte do que isso, que ainda não existe, porque se existisse eu faria mais do que amor pra dizer que sou tua e não tem volta.

terça-feira, 19 de julho de 2011

A raiva que dá e passa (?)


É como se seus joelhos doessem e você não pudesse mexê-los, a dor incomoda e você sem controle. Tem vezes que a sensação é de ultrapassar a si mesma, como se o carro e a paisagem fossem a mesma coisa: você, dentro dele, tantas coisas passando e seus olhos vendo a velocidade, a velocidade que as mãos não agarram. Eu posso rasgar sua roupa, eu posso gritar mudo, surdo, eu posso até mentir que vai continuar sendo verdade. O meu rosto vermelho, a minha garganta engasgada, incrivelmente, minha boca sem comunicação. Me ultrapasso e não chego a lugar algum.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Rabiscos ou Vida



Sujei de lágrima o papel, desenhei em mim um rio transparente, 
onde a pele do meu rosto era o fundo desse rio e escorregava 
pensamentos barranco abaixo. 
                                                              Eles são tão vivos que posso sentir o gosto salgado. Uso as mãos para enxugar o rosto . É assim que tenho me sentido, resgatando pensamentos que escorrem, o que tem me cansado bastante. As noites têm sido difíceis, e nos meus impulsos me vem por vezes o cheiro da fumaça do cigarro, o gosto da nicotina que eu posso sentir nítido na boca vazia, me faz preparar um café forte e fumar o café a tarde toda.  

                          Durante todo o tempo, as nuvens passam pela minha janela e eu abandonada no meu quarto, o olhar perdido na imagem que parece ser pintada para essas horas de angústias ou desejos de cigarro que respiram o ar limpo. 

                          *(as vezes me embaralho com tantos lembretes espalhados por mim, consciente ou inconscientemente: tatuagens, grifos de mim; cordões que trazem a antiguidade pra perto, confundindo as pessoas de que tenho fé em santos; os olhos, sempre cheios de escritos e papéis, muitos papéis soltos, rasgados, grandes, amassados, dobrados em quatro). 

Noutro dia, desamassava uma folha de papel e espreguiçava umas duas ou três vezes, como faço sem perceber, antes de começar algo, é um modo de esticar o corpo pois tenho ido para a vida carregando o peso de muitos rabiscos no papel - pode não parecer, mas um papel rabiscado pesa como ossos no corpo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Gotejando

Te  
cla  
por  
te  
cla  
pra  
di  
zer  
que  
es  
tou  
pou  
ca

Era isso o que eu queria dizer

"- Meu amor, disse ela sorrindo, você me seduziu diabolicamente. Sem tristeza nem arrependimento, eu sinto como se tivesse enfim mordido a polpa do fruto que eu pensava ser proibido. Você me transformou na mulher que sou. Você me seduziu, sorriu ela. Mas não há sordidez em mim. Sou pura como uma mulher na cama com o seu homem. Mulher nunca é pornográfica. Eu não saberia ser, apesar de nunca ter estado tão intimamente com ninguém.". Cada palavra


Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Em carne viva

Nu demais, escuro demais, nítido demais, palpável. Aquela cena de cinema, com luz amarela imitando a penumbra da noite que era lá fora, mesmo dentro de um quarto branco, também era noite. Na hora da madrugada, os risos sem explicação aos ouvidos do silêncio. Só foram saber que tinham sido felizes quando acordaram de manhã e viram tudo do avesso.

Abra o envelope

Aquelas cartas que você queria ler mas não podia, é a sua chance.

Abra o envelope:
http://cartasparanorma.blogspot.com/

(Ps: este é outro blog meu, agora você poderá me encontrar aqui e lá.)

domingo, 5 de junho de 2011

Pilhada

.Quando se viu, estava confusa no closet, e depois lembrou-se de que não tinha um, logo se sentiu no direito de aumentar o sofrimento, pois em frente ao armário de muitas roupas estava ela atordoada, sem chances de escolher alguma coisa que lhe caísse feito luva, quem dirá todo o resto que precisava arrumar, um amontoado de coisas e coisas ainda sem nome, somente “coisas”, o que já era demais.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Antes e depois de um ponto final

Mudou o pano de fundo da minha máquina que eu queria que fosse de escrever, e até é. Mudou a parede do meu quarto que antes era branca, hoje tem um quadro feio pendurado, mas que eu acho bonito, uma bobagem, uma besteirinha que me custou alguns trocados mal dados e doídos - tem coisas que não mudam. Mudaram os móveis de lugar, cada mês tem um novo canto do mesmo que durmo (e ainda penso muito antes de dormir, tanto que acabo dormindo). Mudou a minha carteira, ganhei uma nova, assadeira, o pão queimou, a geladeira tem muitos gostos de queijos, favoritos, as páginas que eu leio quase todos os dias - e nunca são os mesmos. Por falar nisso, é inverno mas eu queria verão eterno, a pulseira de “alguma coisa do Bonfim” que não desata, todos os meus problemas que nascem e morrem de um jeito que eu não queria, se tivesse documento, estaria lá o meu retrato, uma foto meio assim “quase sorriso”. Mudei meu colo por Ave Maria, cheia de graça tirei do pescoço, o que não deveria ter feito pois esqueci em cima de uma cama suja, fiquei nua. Mudei de número, de casa, mudei, hoje faço charme pra alguém com barba e acho isso a coisa mais linda que me aconteceu nos últimos tempos. Cada segundo de vida muda alguma coisa, mesmo que eu nem queira, e muda tanto que até eu mudei - alguns impulsos, por pulso firme, e dilatado. Troquei a fechadura, tudo por necessidade de vida. Mas uma imagem tem o mesmo gosto de outono, porque outono foi “sua” última estação.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

(não) sendo


Sem poesia estou num buraco  
Sem poesia é escuro  
Sem poesia é frio,  
Sem poesia, vazio  
Com poesia o buraco sou eu.

terça-feira, 3 de maio de 2011

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

Eu mesma não tenho nada a dizer, mas suplico...

"...alivia minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte e sim a vida, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade e paciência comigo mesma, amém."

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, Clarice Lispector.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sintomas de uma fome

Surdos, os movimentos fazem barulho
brincam de metáfora.
Quando escondida,
a verdade nua não tem como ser dita,
de uma forma ou de outra,
faz-se.
Estávamos à luz do dia,
você sem almoço,
eu faminta.
Não tinha coisa que não fosse colchão
e os bancos eram feitos da primeira dobra de louça.
As cachoeiras aos poucos se firmaram dentro do meu banheiro
e se tudo parecia fora do lugar,
tinha chuva e fazia sol,
o espelho abafado
pelo calor de muito espaço pra pouca vontade de distância.
A página em branco que achei ser o espelho
fui eu escrita das suas mãos.

 
 

terça-feira, 5 de abril de 2011

Na cama

(Me salta aos olhos, suicida, me come com os mesmos, fico mordida. Grita, eu peço fala baixo mas se propaga como perfume, não adianta lavar o rosto, não é água que escorre é fogo que queima a roupa, um assalto e você com as mãos pra cima, um crime.) Antes de dormir pensava no roubo.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Te recebo


Sob a meia lua,  
meus sussurros de doida.  
Algumas vontades narradas  
em cada suspiro de uma hora solta,  
cada passo que vira noite,  
em cada pé que, vagaroso,  
sussurra a madrugada.  
Mais à frente,  
chega a manhã.  
Estou amanhecendo repetida,  
no quase beijo da lua e do sol  
brilha desejo em espera.  
Céus,  
Faze de mim,  
a prometida,  
uma boa mulher para um homem que chega,  
pois estou tão louca  
que fui a zero nos dias sozinha.  
Faze de mim um abraço que diga,  
uma boca que cala  
e morrerei viva  
na não-noite,  
no não-dia,  
Nos braços de nossas horas.

terça-feira, 15 de março de 2011

Meu atalho de cada dia


Vocês me deram "tchau" e saíram sem nenhuma sacola pois isso eu não poderia permitir. O que conseguiram arrancar daqui, foi. Nem devolver vocês devolvem. Estamos quites. As minhas cartas tinham trilha sonora, não sou letrista mas cada uma era uma letra e tinha uma melodia Cat Power - não importa, e nem nunca importou, se vocês não sabiam disso. Eu continuaria escrevendo pra vocês e dando tudo o que eu chamo de “mel”: minhas pernas e braços e olhos, minha boca sorrindo um riso de final de clipe – quando o flerte é divertido e faz cócegas. Só que todo mel no fim azeda ou todo fim azeda o mel, também isso não faz mal. Vocês agora devem lembrar de mim numa figura que eu até imagino, o que não imaginam é que um mosquito picou minha perna e desde então eu estou coçando cada vez com mais força o que vem formando um machucado horrível para pôr vestidos – eu sei, eu podia controlar isso, mas vocês também já tiveram coceira. Portanto não me julguem, não me imaginem, não tirem das minhas cartas o que eu não escrevi nelas. Eu não sou o que vocês imaginam. Amém.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Morrer na praia



Eis aqui um corpo. Esse corpo que um dia foi mais obscuro e de tão, era rasgo no pano branco – denunciava o que ficava por baixo. Pele? Muito mais, era só o primeiro quilômetro dela. Este corpo que com o seu “a mais”, comia os textos evidenciando a sua agonia de corpo flagelado.  
Ah, o corpo que foi um dia... tocado tantas e tantas vezes como por uma criança que cutuca umas cem vezes o mesmo peixe saltitante na praia e toma sustos com os saltos do animal. Um dia se acostuma e não tem mais novidade as cutucadas, nem a criança acha diferente os mesmos pulos, o animal cansado anunciando o fim, ainda nas mesmas manobras. Mas a criança ama o peixe e essa é a primeira incoerência que um iniciante pode ter na vida.  
Virara uma coisa só os muitos rasgos. Já pasmo, um corpo sem objetivo que um corpo deve ter. Como designar a si mesmo? pois como se constituir um corpo que rígido é uma coisa só? Implorando pelo peixe, implorando que a criança arrumasse outra forma de instigar seus pulos que poderiam ser manobras nunca feitas. O corpo que não é descoberto mais. Eis aqui um corpo na areia da praia. Sem sombra do que poderia ser, sem alguém que não desvie o olhar do que ele é e do seu tempo futuro, que talvez nem chegue.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Eu sou assim no domingo


Ainda agora me lembrava de você e fiquei aqui querendo a presença só porque com ela eu consigo corpo encostando no outro corpo. Quis, dentro de alguns minutos, estes em que eu relembrava as nossas noites passadas, quis puxar pelo lençol todos os momentos de sopro no ouvido, respiração perto, ofegante, todo o cabelo amarrotado, sem roupa e só deixar restar, a amostra, os dois corpos flagrantes da guerra de forças nas noites de verão, em que por mim posso dizer que adorei transpirar e escorregar macio em pele sua que eu sempre digo "meu" num português que pouco me importa nessas horas e no seu linguajar pontual, literalmente pontual, pois sem ele não teria nome os meus montes.
Agora que puxei o lençol, ficou só o colchão sem nós dois. Ah, o ontem, ah todos os antes de ontem que eu invejo nesse domingo sem você. É porque sou assim de quereres e mais não querer-te e querer de novo e agora, e sou assim com o amor e sou assim com você, meu amor.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Amoras

Do outro lado da rua os galhos tristes. Calor e terra se instalavam por ali. Instalavam-se também famílias, em meio a elas, eu. Naquela casa de campo o tom sépia me era sugestivo e eu não estava com vontade de comer. Rita chamava todos para o almoço, ela mesma com água na boca. Na verdade não era água e sim aquela saliva rala que eu podia imaginar só pelas sílabas Sa-la-da e logo em seguida, fres-qui-nha - que eram ditas quase como um sopro ou um regador sobre as folhas do alface. Enquanto ela chamava, Miguel insistia para que fossemos até a árvore de amoras sem nenhuma graça, só que eu não queria procurar amoras naquela árvore tão feia. Sim, a árvore na verdade não me atraia e a isso eu atribuía sua feiura, fora a falta de vontade pela comida que me esvaziava satisfeita. Já sentenciada, a coitada da árvore carregava folhas de um verde fosco e deixei Rita gritando em vão só porque outra voz havia falado mais alto, Miguel me chamava a atenção:  
- Procura elas pra mim, estou de “bengalas”, se referindo às muletas.  
Em passos de "tanto faz", aceitei catar as tais amoras na árvore que se não fosse pelo tal pedido sequer a teria notado. Eu olhava, olhava e sem ânimo arranquei a frutinha, sem dó nem muito menos atenção ao que fazia. E num “dou não dou” à boca dele, a amora estoura na minha mão. Um vermelho sangue inevitável aos olhos se espalhava entre os meus dedos que brincavam de sentir a textura do suco da amora.  
Eu que pegara a fruta. Havia sido eu a caçadora. Naquele dia de sol, sem graça e “sépio”, fui mulher de um homem. Sangue nas mãos. Dispondo do fruto, descobrindo o sugo da fruta e a força das mãos e a vontade de comer que não era minha, o gosto que não era o da minha língua. Amora. Oferecendo, com curiosidade nascida naquele momento, um presente vermelho sangue. Mulher de um homem. Mesmo que a árvore, a rua, a casa e as amoras fizessem parecer o contrário. Amora. É quando se descobre amorosa num dia inotável, invivível. Amara-o em vermelho sangue, como deve ser.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Acabou o horário de verão


Salva meu chão
que ele está fugindo dos meus pés,
meus olhos querendo escorregar,
minha boca secar.
Salva a língua do deserto.
Salva as pessoas desse terremoto,
que eu já sinto meu corpo estremecer,
salva a graça das coisas do mundo,
risos estão escapando.
Salva o caminho das palavras,
de repente estou sem nenhuma,
salva a vergonha de quem não tem
sob os gemidos que não são de ninguém
Salva o som,
o ouvido está mudo,
a boca ouvindo orelhas.
Salva a visão,
de repente são apenas vultos nus.
Salva os sentidos,
esses que estão embriagados
duplicando sensações.
Salva o corpo dos amassados,
ele está sendo apertado.
Salva esse lençol das mãos,
elas estão rasgando e deixando descobertos os segredos
Dentro delas, apertados.
salva
mas salva atrasado,

e no relógio atrasou uma hora.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Quando te beijo



Desde a primeira vez fechei os olhos. Ninguém alerta o outro, “feche os olhos”, mas todos fecham.
Fecho os olhos quando procuro a inconsciência de meus pensamentos, o descanso necessário do corpo. Fecho os olhos quando a tristeza incomoda como uma farpa difícil de arranjar jeito para me livrar. Esfrego-os como se quisesse arrancar através deles, todas as farpas incrustadas que estão a me incomodar.
Escrever geralmente tem me dado a sensação dos olhos repousos: o escuro caminho por onde passam os pensamentos, é no breu que se tateia. Eu tateio palavras.
Mas os olhos, fielmente fechados – sem nenhuma poética, fechados, nos dão a possibilidade de descobrir o vulto que passou deixando um rastro de perfume, desvendar as cores sem saber que são cores. Dentro de olhos fechados, encontram-se todos os tempos: passado, presente e futuro e em lugar nenhum mais. É quando viajamos pelo desconhecido, quando pretende-se “ver” com os olhos das mãos, do nariz, da boca – Sou toda olhos. Na verdade, penso que Deus nos deu esses dois globos porque somos curiosos. Ficamos mal acostumados. A sorte é que o corpo é exigente e toda vez que deseja “ver”

ele fecha os olhos.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Zero à esquerda

Havia oferecido um pouco de si ao próximo. Ingênua, não saberia que o pouco, dado a alguém, é muito de si. Qualquer pouco que se dê é bastante, é tanto, é tudo. E sobre isso, poderia passar linhas e linhas falando num tempo que não acabaria nunca: a porcentagem que se oferece e que dá erro no cálculo final. Lembrava dos cabelos negros, do perfume forte que causava irritação nas narinas. Tudo isso misturado dava-lhe náuseas descompassadas entre “foi bom” e “foi ruim”. Cultivava certa raiva daquele tempo e, inevitavelmente, ocorria-lhe a sensação de ter perdido um pouco de sua vida – apesar de saber da ignorância que seria maquiar as cicatrizes do seu corpo. Os risos, a descoberta limitada pelo destino – ela que nem sabe escrever uma carta, falando em destino. Alguém escreveu que “não”, feito uma mão que fez força contrária a direção que ela insistia, cansou a Maria. Depois que veio a distância, e só depois que veio a distância, a mão sumiu. E lá se foi o número de vezes tentando, e lá se foi o “um milhão”, ficara só o zero. Um zero à esquerda, pra começar tudo outra vez.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Gorda


Rápida como um raio, acordou com o sol espalmando o rosto amassado. 
- Que dia é hoje? Só mesmo lembrando de ontem pra saber quem você é de manhãzinha. Mais tarde, já não é mais e sem aquele homem aí mesmo é que não seria. 
Como o telefone não tocava? Como aquela máquina seca e fria, cravada na mesa não chorava por ela, com ela? e foi preciso sentar na cadeira, puxar o teclado e escrever - como de costume, logo a tela virou um pranto só – nada mais condizente. Sem ninguém, talvez nem leitores. O homem mesmo já deveria tê-la esquecido. 
- Mas como?! E de tantos “comos” engolidos a seco, sua cabeça engordava e engordava numa tristeza de dar dó. Carregar pensamentos era coisa de se pesar muito.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Meio dia

Sua pele quente me queimou.
A lua por onde escorrega fácil,
no meio,
o dia.
Minha pele  
de gota em gota,
o teu suor
e nesse dia fez chuva de verão.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Estava na sua frente

 Na diagonal. Via-se um desequilíbrio da figura, o topo inclinado, indagando. Uma imagem de anos, séculos quase. A impressão é que estava parada ali uma eternidade, pegando chuva, sol, vento e o que mais se tem no mundo. Fundos. Nos fundos dela, como duas maçanetas marrom de gavetas. Aqueles olhos que se puxasse, ah se alguém puxasse e abrisse as duas gavetas... Mais ali, bem perto, uma cama macia, não dessas que exacerbam conforto mas uma cama simples que quando se deita se dorme e é isso o que se espera. Desenho límpido no entanto com mil e uma possibilidades, na verdade esse não era seu diferencial e sim o ar de “por enquanto” que agoniava só de ver. Roupas tom pastel, um marrom, um verde musgo, mas bonito, como um encaixe. Era uma frase, em todos a roupa é sempre uma frase, no máximo duas. No fim da vida de cada um, talvez alguns juntem as frases e descubram o texto, daí fica só a lembrança – é assim. Ah, mas não poderia deixar de notar os fios, tantos eles, enrolados, tornam o sujeito sempre animal. Os cachos são a carteira de identidade onde no nome lê-se: Bagunçado Afoito do Nunca Arrumadinho ou semelhantes a isso, são todos da mesma família.  
As horas, em poucos segundos, passam quando se está de frente para o espelho, principalmente quando se vê. Ela se via no espelho. 



terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Paladar



- uma delícia, você vai ver.
- eu não costumo...
- Chegou!
- Parece bonito
- Você é linda
(olhando em direção onde vai: boca)
Beijam-se
...
- Hum, é gostoso mesmo
- (enquanto arrisca pequenos beijos no pescoço dela) É doce...
- Não! Não curto perfumes doces.
Ele interrompe os passos da boca:
- e a carne?
- Nem salgada nem doce, diferente.
No intervalo da garfada um beijo nele. Ela, quando surpreendida diz:
- Seu perfume é...
- doce.
- é bom
- mas você disse que não gostava de perfume...
- eu disse, é eu disse.
- Eu sabia que você ia gostar do prato
- Eu gosto do seu perfume...não de doce.
- Mas esse é doce
- Nem doce nem salgada
- a carne ao molho...?
- não, sua pele.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Memória do que não veio

A Persistência da Memória - Salvador Dali

Estou me precipitando. Estou sendo aquilo que não fui para saber como será. Medo? Talvez, mas não ele puro e simples. É um medo de ser alcançada, por que se eu for alcançada serei o que querem e não o que eu escolho ser. Então estico as mãos e tento agarrar o que vem lá na frente, sim, porque ele vem. Só dá para ver alguns contornos e sem fechar a linha não dá a forma do que é. 
Não me é dado esse poder de chegar lá, onde ninguém foi e teima em me dizer “só o tempo”. Não permiti ninguém mais, e com um pouco de dureza, nem a mim mesma tocar no presente que ele nos dá, embrulhado numa caixa grande, vermelha, o tal futuro. Então não me diga como será pois não lhe dei a chave para arrombar a porta de “lá” de longe. Uso o que tenho – O que tenho? Tenho é uma palavra forte como uma madeira, é um ponto final cravado. Tenho é na verdade os frutos do que já tive e que com esforço eu briguei para escolher cada cor de flor do meu jardim. Tenho. O que já foi, em forma de hoje vestido de agora com cheiro de antes. Tenho, o que sou. Não sou o que tenho e sim tenho o que sou. E é com essas mãos cheirando a antes, sendo o agora, que me aventuro a criar o restante das linhas disformes que, não me lembro porque, vejo a minha frente. 
Crio soluções para esses traços soltos e até cor eu me atrevo a dar, preenchendo os brancos vazios a cada ponta de linha que encontra a outra. Coloco cores para não chorar e lembrar que é tudo muito frágil nesse tempo que eu pinto. Posso passar dias pintando e contornando, lembrando Salvador Dali. Não pela sua pintura, mas pelo humano semelhante. Eu tenho medo de chegar lá e desmoronar aquele castelo que eu desenhei, mas nada me garante que é um castelo. Só eu, que já estive no meu futuro, sei que aquelas linhas tinham tudo para ser um castelo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Escrevendo amor

Como uma uva doce. Como um vento menino, balançando os fios de cabelo em testas desconhecidas. Como o nervosismo que acelera, vira tempestade e despenteia árvores a fora, mostrando o que é antes de tornar-se. No seu melhor traje: desprevenido; desarrumado; em pés desajeitados; cabelos sem direção; quase um animal no seu mais belo perfil fotogênico. Aquilo que nem o próprio conhece, nenhum espelho revela. Como uma boca que morna feito o rio pra molhar o corpo estranho, recebe e abraça, faz-se seu dizendo “meu”. A insistência em abrigar no mesmo lugar os dois inteiros, feito duas metades sem matemática. Como quem fareja o sal pensando se doce será. Como quem não sabe, como quem descobre, como a fome que te mata, morrem dois num só gemido. Como se estivesse escrito, como se estivesse lendo. Decifra-se.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Ele no meio da fumaça

Um livro,
um lindo,
um retrato,
um cigarro 
que eu tô de fora,
nada entra e nada sai 
é sempre a mesma história.
Então um trago,
um papo,
um à gosto,
pode ser beijo,
não um beijo,
O beijo 
pra eu lembrar 
que primeiro foi o livro,
eu vi você era lindo 
e tiramos até um retrato,
entre um trago e o fogo,
o beijo no meio da fumaça.