quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A prece consciente


Amarrotadas coisas que percorreram os minutos daquelas horas. Que sejam belas as coisas que transladaram esse “agora” e movimentaram em mim a força de um tempo desconhecido, o que se vive, o que está sendo, o que virá a ser. O meu tamanho, que não impediu abrigar marcas, que o meu tamanho seja a casa e o lugar. Que possam morar nos meus olhos sem fazer transbordar, que possam se alimentar de minha boca: ouvidos e dentes; e línguas. O meu passado, que qualquer dele esteja acomodado em seu devido lugar , nas casas antigas, que sou eu na minha linha do tempo. Que eu saiba beber a dose certa de bom e ruim. Que o meu rumo seja guiado pela minha embriaguez, lúcida como a escolha de ver a olhos nus ou com os óculos que me destes. Que eu me reconheça quando esbarrar em mim. Mas o que quer que seja, que o amor contemple, e faça dos perigos do desespero de viver, a paz.

Prece inconsciente

Ao futuro

Toda a metáfora,
todo o grito mais bem gritado,
cuspido,
nem mais
nem menos,
tudo.
Meu rosto rasgado por mil lágrimas,
uma por dia
dia por duas vezes tentando,
eu fracassando.
Dor de garganta,
nó sem mãos
no pescoço apertando.
O melhor e o pior
Dos trezentos e sessenta e cinco dias
batido no liquidificador,  
tome para beber   
e brinde o ano novo,   
Passado.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Minas Gerais



As palavras são ontem, mas se eu pudesse colocar um pouquinho do “agora” seria tão gostoso...como comer bala de côco depois que acaba as do saquinho.
É que eu queria falar das mãos, dos olhos, assim, encarando os do outro, acesos: “onde mesmo ficam minhas pernas?” “onde mesmo fica a minha barriga?”, quando trocamos os pés pelas mãos e bastou um apalpar na intensidade do querer pra si. A mão buscava agarrar o corpo na quantidade semelhante a do desejo - como se fosse possível.
Eu descobri mais do seu cheiro de travesseiro e cabelo despenteado, você conheceu minha infância em risos que eu não podia controlar, gargalhava. E a vergonha ia longe, voltava para o Rio de Janeiro, fugia, escapava ou se escondia atrás da porta, esperando que eu recobrasse a consciência. E nesse dia, todos lá fora pensavam constrangidos que um parque de diversões não era tão animado quanto aquele quarto com porta fechada, dando mais asas a imaginação, quase como bichinhos atraídos pela luz. Mas só estávamos contando pintas no corpo um do outro, fuçando segredos e descobrindo pescoço, orelha, nuca...até o sono chegar e nos esquecermos amassados. Braço por cima de braço, duas folhas pintadas dobradas ao meio.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O tempo, o meio e o que ainda falta

Nota prévia
O texto a seguir nada tem a ver com romantismos. A insensatez é o melhor sentimento para andar na corda bamba. Não se engane.

Gastou mais um pouco da borrada no caderno. Apagava “amo” escrito com tanto desamor. O pensamento fugia das linhas que insistiam em querer ser carta de amor. Lá estava ela, longe...
- nunca vi uma borracha acabar, parece que duram para sempre, mas sempre compro outra. Voltou para o papel, nada saía. Já batia uma agonia. Passava os minutos, dor de cabeça, língua amarga do café.
Tinha marcado um cinema com ele, era um dia especial, aniversário de namoro – quanta coisa inventam. Os próprios assinaram o contrato que ditava o dia, mas como sempre, não leram se quer uma cláusula. Optou por pegar emprestado um poema rasgado de Neruda que parecia muito com verdade, quando raros momentos distraída passava o coração do frio ao fogo. Transcreveu o poema naquele papel triste, esfolado de tanto apaga-escreve. Aliviada por ter conseguido cumprir a “tarefa”, imaginava que bom ter lembrado de “Não te quero senão porque te quero”. Caíra como uma luva a qual estapearia a cara do sujeito.
Mas ainda tinha de escolher a roupa, como quem vai ao enterro e não quer parecer nostálgica. Nada lhe vestia bem, nem mesmo um sorriso sugerido pela mãe, espectadora do dia de horror, torpor, como quiser pôr.
– mas não vou pôr mais nada! Não vou e ponto. Chorou pelo morto, chorou pelo traje inevitavelmente nostálgico, sua expressão, chorou porque iria ao cinema com ele? Secou as lágrimas que borravam nada além de tentativas de sorrisos tortos, pois maquiagem seria exagero.

Borracha novinha, cor verde fosforescente, linda. Só usou para apagar um borrãozinho feito sem querer.
- será que essa eu vou conseguir ver o “para sempre”?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A dois


Dessas pernas que te atam um nó,
essas mãos que me cavam o corpo
nesses olhos que mergulham
eu, você meu,
ninguém mais.
A solidão a dois que distrai o perigo
de querer mais e mais,
onde a dois somos muitos,
todos
em poucos
um,
dois.