domingo, 27 de fevereiro de 2011

Eu sou assim no domingo


Ainda agora me lembrava de você e fiquei aqui querendo a presença só porque com ela eu consigo corpo encostando no outro corpo. Quis, dentro de alguns minutos, estes em que eu relembrava as nossas noites passadas, quis puxar pelo lençol todos os momentos de sopro no ouvido, respiração perto, ofegante, todo o cabelo amarrotado, sem roupa e só deixar restar, a amostra, os dois corpos flagrantes da guerra de forças nas noites de verão, em que por mim posso dizer que adorei transpirar e escorregar macio em pele sua que eu sempre digo "meu" num português que pouco me importa nessas horas e no seu linguajar pontual, literalmente pontual, pois sem ele não teria nome os meus montes.
Agora que puxei o lençol, ficou só o colchão sem nós dois. Ah, o ontem, ah todos os antes de ontem que eu invejo nesse domingo sem você. É porque sou assim de quereres e mais não querer-te e querer de novo e agora, e sou assim com o amor e sou assim com você, meu amor.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Amoras

Do outro lado da rua os galhos tristes. Calor e terra se instalavam por ali. Instalavam-se também famílias, em meio a elas, eu. Naquela casa de campo o tom sépia me era sugestivo e eu não estava com vontade de comer. Rita chamava todos para o almoço, ela mesma com água na boca. Na verdade não era água e sim aquela saliva rala que eu podia imaginar só pelas sílabas Sa-la-da e logo em seguida, fres-qui-nha - que eram ditas quase como um sopro ou um regador sobre as folhas do alface. Enquanto ela chamava, Miguel insistia para que fossemos até a árvore de amoras sem nenhuma graça, só que eu não queria procurar amoras naquela árvore tão feia. Sim, a árvore na verdade não me atraia e a isso eu atribuía sua feiura, fora a falta de vontade pela comida que me esvaziava satisfeita. Já sentenciada, a coitada da árvore carregava folhas de um verde fosco e deixei Rita gritando em vão só porque outra voz havia falado mais alto, Miguel me chamava a atenção:  
- Procura elas pra mim, estou de “bengalas”, se referindo às muletas.  
Em passos de "tanto faz", aceitei catar as tais amoras na árvore que se não fosse pelo tal pedido sequer a teria notado. Eu olhava, olhava e sem ânimo arranquei a frutinha, sem dó nem muito menos atenção ao que fazia. E num “dou não dou” à boca dele, a amora estoura na minha mão. Um vermelho sangue inevitável aos olhos se espalhava entre os meus dedos que brincavam de sentir a textura do suco da amora.  
Eu que pegara a fruta. Havia sido eu a caçadora. Naquele dia de sol, sem graça e “sépio”, fui mulher de um homem. Sangue nas mãos. Dispondo do fruto, descobrindo o sugo da fruta e a força das mãos e a vontade de comer que não era minha, o gosto que não era o da minha língua. Amora. Oferecendo, com curiosidade nascida naquele momento, um presente vermelho sangue. Mulher de um homem. Mesmo que a árvore, a rua, a casa e as amoras fizessem parecer o contrário. Amora. É quando se descobre amorosa num dia inotável, invivível. Amara-o em vermelho sangue, como deve ser.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Acabou o horário de verão


Salva meu chão
que ele está fugindo dos meus pés,
meus olhos querendo escorregar,
minha boca secar.
Salva a língua do deserto.
Salva as pessoas desse terremoto,
que eu já sinto meu corpo estremecer,
salva a graça das coisas do mundo,
risos estão escapando.
Salva o caminho das palavras,
de repente estou sem nenhuma,
salva a vergonha de quem não tem
sob os gemidos que não são de ninguém
Salva o som,
o ouvido está mudo,
a boca ouvindo orelhas.
Salva a visão,
de repente são apenas vultos nus.
Salva os sentidos,
esses que estão embriagados
duplicando sensações.
Salva o corpo dos amassados,
ele está sendo apertado.
Salva esse lençol das mãos,
elas estão rasgando e deixando descobertos os segredos
Dentro delas, apertados.
salva
mas salva atrasado,

e no relógio atrasou uma hora.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Quando te beijo



Desde a primeira vez fechei os olhos. Ninguém alerta o outro, “feche os olhos”, mas todos fecham.
Fecho os olhos quando procuro a inconsciência de meus pensamentos, o descanso necessário do corpo. Fecho os olhos quando a tristeza incomoda como uma farpa difícil de arranjar jeito para me livrar. Esfrego-os como se quisesse arrancar através deles, todas as farpas incrustadas que estão a me incomodar.
Escrever geralmente tem me dado a sensação dos olhos repousos: o escuro caminho por onde passam os pensamentos, é no breu que se tateia. Eu tateio palavras.
Mas os olhos, fielmente fechados – sem nenhuma poética, fechados, nos dão a possibilidade de descobrir o vulto que passou deixando um rastro de perfume, desvendar as cores sem saber que são cores. Dentro de olhos fechados, encontram-se todos os tempos: passado, presente e futuro e em lugar nenhum mais. É quando viajamos pelo desconhecido, quando pretende-se “ver” com os olhos das mãos, do nariz, da boca – Sou toda olhos. Na verdade, penso que Deus nos deu esses dois globos porque somos curiosos. Ficamos mal acostumados. A sorte é que o corpo é exigente e toda vez que deseja “ver”

ele fecha os olhos.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Zero à esquerda

Havia oferecido um pouco de si ao próximo. Ingênua, não saberia que o pouco, dado a alguém, é muito de si. Qualquer pouco que se dê é bastante, é tanto, é tudo. E sobre isso, poderia passar linhas e linhas falando num tempo que não acabaria nunca: a porcentagem que se oferece e que dá erro no cálculo final. Lembrava dos cabelos negros, do perfume forte que causava irritação nas narinas. Tudo isso misturado dava-lhe náuseas descompassadas entre “foi bom” e “foi ruim”. Cultivava certa raiva daquele tempo e, inevitavelmente, ocorria-lhe a sensação de ter perdido um pouco de sua vida – apesar de saber da ignorância que seria maquiar as cicatrizes do seu corpo. Os risos, a descoberta limitada pelo destino – ela que nem sabe escrever uma carta, falando em destino. Alguém escreveu que “não”, feito uma mão que fez força contrária a direção que ela insistia, cansou a Maria. Depois que veio a distância, e só depois que veio a distância, a mão sumiu. E lá se foi o número de vezes tentando, e lá se foi o “um milhão”, ficara só o zero. Um zero à esquerda, pra começar tudo outra vez.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Gorda


Rápida como um raio, acordou com o sol espalmando o rosto amassado. 
- Que dia é hoje? Só mesmo lembrando de ontem pra saber quem você é de manhãzinha. Mais tarde, já não é mais e sem aquele homem aí mesmo é que não seria. 
Como o telefone não tocava? Como aquela máquina seca e fria, cravada na mesa não chorava por ela, com ela? e foi preciso sentar na cadeira, puxar o teclado e escrever - como de costume, logo a tela virou um pranto só – nada mais condizente. Sem ninguém, talvez nem leitores. O homem mesmo já deveria tê-la esquecido. 
- Mas como?! E de tantos “comos” engolidos a seco, sua cabeça engordava e engordava numa tristeza de dar dó. Carregar pensamentos era coisa de se pesar muito.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Meio dia

Sua pele quente me queimou.
A lua por onde escorrega fácil,
no meio,
o dia.
Minha pele  
de gota em gota,
o teu suor
e nesse dia fez chuva de verão.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Estava na sua frente

 Na diagonal. Via-se um desequilíbrio da figura, o topo inclinado, indagando. Uma imagem de anos, séculos quase. A impressão é que estava parada ali uma eternidade, pegando chuva, sol, vento e o que mais se tem no mundo. Fundos. Nos fundos dela, como duas maçanetas marrom de gavetas. Aqueles olhos que se puxasse, ah se alguém puxasse e abrisse as duas gavetas... Mais ali, bem perto, uma cama macia, não dessas que exacerbam conforto mas uma cama simples que quando se deita se dorme e é isso o que se espera. Desenho límpido no entanto com mil e uma possibilidades, na verdade esse não era seu diferencial e sim o ar de “por enquanto” que agoniava só de ver. Roupas tom pastel, um marrom, um verde musgo, mas bonito, como um encaixe. Era uma frase, em todos a roupa é sempre uma frase, no máximo duas. No fim da vida de cada um, talvez alguns juntem as frases e descubram o texto, daí fica só a lembrança – é assim. Ah, mas não poderia deixar de notar os fios, tantos eles, enrolados, tornam o sujeito sempre animal. Os cachos são a carteira de identidade onde no nome lê-se: Bagunçado Afoito do Nunca Arrumadinho ou semelhantes a isso, são todos da mesma família.  
As horas, em poucos segundos, passam quando se está de frente para o espelho, principalmente quando se vê. Ela se via no espelho.