sábado, 7 de agosto de 2010

Minha ânsia por Vinicius ou Minha ânsia, por Vinicius

Ânsia 

"(...)
A carne fugiu
Desapareceu devagar, sombria, indistinta
Mas na boca ficou o beijo morto.
A carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor
Que eu tinha a dor em mim como tivera a carne
Na violência da posse.
Olhos que olharam a carne
Por que chorais?
Chorais talvez a carne que foi
Ou chorais a carne que jamais voltará?
Lábios que beijaram a carne
Por que tremeis?
Não vos bastou o afago de outros lábios
Tremeis pelo prazer que eles trouxeram
Ou tremeis no balbucio da oração?
Carne que possui a carne
Onde o frio?
Lá fora a noite é quente e o vento é tépido
Gritam luxúria nesse vento
Onde o frio?
Pela noite quente eu caminhei...
Caminhei sem rumo, para o ruído longínquo
Que eu ouvia, do mar.
Caminhei talvez para a carne
Que vira fugir de mim.
No desespero das árvores paradas busquei consolação
E no silêncio das folhas que caíam senti o ódio
Nos ruídos do mar ouvi o grito de revolta
E de pavor fugi.
Nada mais existe para mim
Só talvez tu, Senhor.
Mas eu sinto em mim o aniquilamento...
Dá-me apenas a aurora, Senhor
Já que eu não poderei jamais ver a luz do dia."

Vinicius de Moraes

2 comentários: