segunda-feira, 29 de março de 2010

A droga da verdade

Admito o meu vício como forma de pedido de salvação. Muitas vezes disfarcei justamente para poder me drogar e me dopar, ou dopar ao outro se possível fosse. O papo ia, vinha e lá estava eu, acreditando na suposta verdade que surgia, sem lembrar que todas são supostas e verdade mesmo, nenhuma. Entre o número um e o  número dez (no auge da conversa), haviam muitos dois e três e quatro, até oito e nove! E eram eles, neles, com eles que eu contava para me deleitar de tentativas frustradas em alcançar...não sei, mas eu buscava algum topo onde eu pudesse me sentir segura. Entre verdades e mentiras, descobri que existia algo incomum entre os dois extremos: meias verdades são filhas mal criadas da mentira e da verdade. De meias em meias, eu não completei um inteiro, sequer uma metade que fosse verídica até o fim. As doses foram aumentando, sem controle. E entorpecida, o efeito era a certeza, a viagem ilusória e a consequência era a fome de mais e mais. Até me dar conta de que a droga da meia verdade não me levaria a lugar algum e resolvi me desentoxicar.
Hoje sofro de abstinência. O efeito é a incerteza a consequência é a descrença e o benefício é a falta de verdade?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Lugar comum


Onde vai a tua sorte
divisora de pacotes,
todos esses que me trouxe
com o sonho doce de seu Jorge.

Os caminhos e histórias
tantas essas que te acolhem,
são lugares de saudade
pintam e fazem a cidade.

O teu nome é moradia,
o teu laço é simpatia.
No final vão nos dizer
que só pode vir para crer,

as casinhas de varanda,
os barracos enfeitados,
o pão e o seu Jorge
de gosto doce de leite,

guardado na pele franzida.
Trêmulos, os dedos do tricô
preparam o café da tarde
saboreando o mesmo sonho.

terça-feira, 23 de março de 2010

(in)certezas

Eu inventei tudo sobre cartas e mentiras.
Vesti com panos de cores quentes
a sagrada verdade de um coração.
Quebrei protocolos,
servi doses altas de destempero e agonia,
fui ingênua pra tentar descobrir
duvidando de tudo o que não me fazia rir.
Não esperei cortejo na sacada
nem joguei tranças para o sapo,
segui forjando a certeza de um coração.
Confiei à espera, os meus infinitos desejos
entreguei ao amado todo o meu pranto pesado
sem  o afago decente de um amor de verdade,
sofrendo pelas frases que se completam
quando acertam o nome de cada emoção,
me alimento do sufoco com gosto de areia seca
do deserto consciente de sua grandeza
necessitado, como o homem,
da água que alimenta,
do amor.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A última carta


Eu não quero o seu amor cruel, tão pouco o seu amor gentil, sorrindo um arreganhar-se conquistador que aos poucos faz da distância a real certeza desse encontro. Eu disse palavras e versos tão soltos aos seus ouvidos quanto o céu que eu quero pra mim, mas não me tenha mal. Perdoe-me por saber, por conhecer o perigo e aceitar correr esse risco com você, mas as damas, como eu, são frágeis demais ao encantamento de um suposto amor, meu bem. Querido, o chá esfriou, estou a horas tentando lhe avisar, prevendo o amargo que sua boca, tão frágil, experimentaria. Nem mais açúcar, nem mais erva, mas um efeito camomila para o nosso devaneio. Não me suporte. O peso de alguém que deseja o mundo, é a ilusão de segurar o que não pode carregar para si. Não vamos compartilhar do seco da minha xícara nem do amargo do chá que esfriou nas suas mãos.

Sobras e folhas velhas de árvores viscerais, esperam de nós dois uma intimação. Fomos tolos, por vezes bondosos um com o outro, mas esse amor de quem "quer bem" não se tornou Amor daquele que apostamos nossas vidas com afinco e penitência. Redescobri em mim o sangue vivo, molhado, correndo em minhas veias me avisando que a vida tem mais chão para descobrir que a nossa cavalgada a dois pode alcançar. A hora da partida foi marcada desde os nossos primeiros passos tortos, vamos assumir essa distância entre nós e deixar que ela fale por si só, é preciso desacostumar-se, desapegar-se e nos despedir.

quinta-feira, 11 de março de 2010

A mulher sutíl

Não pretendo escoder-te nada, nada além do que é amar-te. Mas as vezes amor, muitas vezes, eu mesma me perco, e como agora, perdida, não esperes de mim uma explicação convincente pois falta a mim convencimento do que quer que seja sobre nós, sobre mim... sobre eu estar com você.
Não me contento com a calmaria, não sei o que fazer com o que está parado em posição já conhecida. De silêncio me guardo. Fico sem nada. Nada para oferecer-te e talvez nem a mim mesma, perdida.
Busco a beleza, a dinâmica da paixão, os entrelaços do amor, o rosto de vontade...não vejo nada.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Troço de Pedra Mentirosa

Troço.
Esse troço,
esse troco que desdém.
Eu entendo a sua dúvida,
eu disponho a minha dívida.

Pedra
Essa pedra de alguém
que fez um machucado
a quem tanto lhe convém.

Mentira,
eu mentia pra tentar chegar
num lugar pintado
e forjado
dedicado, dedicado.

domingo, 7 de março de 2010

Nem tudo que é morte é o fim

Numa decisão quase tomada, caminhou em direção ao prédio que furava o céu e era tão imponente que se mostrava merecedor de um certo respeito. Seria o ideal. Entrou pela porta brilhosa - Seria de ouro? - Seguiu pelo hall e num passo de destino certo, como haveria de ser, entrou afoita no elevador. Ninguém reparara na menina. A pertou o botão que idicava o último andar do edifício: 45°. Por alguns minutos, enquanto se encaminhava ao topo, ela pensou em como faria para chegar no terraço do grandioso arranha-céus. Buscou as escadas como se já soubesse onde chegaria. Assim foi, Ana chegara no fim da linha.
Sua vida era boa. Família boa, amigos bons e namorado bobo. Sempre conviveu bem com a bondade e a tolice, até aquele dia. Era como se comesse uma comida, preparada e escolhida por ela mesma, mas que estivesse sem sal e por preguiça não levantava nunca da cadeira para buscar o punhado que faltava para dar gosto. Sempre pedia a mãe cansada, ao irmão inquieto e por vezes insistiu para o namorado ocupado, mas nunca levantou-se de seu lugar.
Lá em cima era frio, não era fresco, era frio. A brisa vinha cruel cortar seus braços desnudos. O chão era quente do sol que se instalava no decorrer do dia. Ela resolveu olhar e perscrutar o mundo lá embaixo para saber como ele era visto de tão alto. Era, pequeno. Como a maquete do pai morto, cheia de elementos que confundiam sua visão e ao mesmo tempo tão insignificante os detalhes. Quando vivo, o pai fazia maquetes e dizia sempre que o que valia era o todo, mas para isso os detalhes deveriam ser feitos com bastante atenção - Talvez, pensava consigo mesma. Lá de cima só via o todo e Ana pensou - Então era aquilo que os detalhes formavam? Tanta preocupação ela tinha com os detalhes para que formassem aquilo?
De repente num pulo, avistou um gato que passeava pelo beiral, sem expressão de receio ou de culpa, ou de qualquer coisa que lhe fizesse estar ali, o gato passeava pela borda. Quando quis, desceu, parou e olhou para Ana. Os dois se encararam feito primeiro encontro, ela pensou no que o trouxera ali, pensou no que ficara lá em baixo, no gosto sem graça da comida e nos detalhes tão misteriosos que formavam o todo. O gato, por sua vez, cheio de vontades, desviou o olhar e sumiu pelo enorme terraço, abarrotado de fios e relevos. Restava somente ela. A brisa foi virando vento forte e cortava seu corpo cada vez com mais violência, o som dos carros foi aumentando e a ponta do arranha-céus foi sumindo voraz.
- Ana...Ana! Sacudia e chamava a filha que estava num profundo sono. Ana acordou assustada e sua mãe perguntava - está com o rosto pálido, você está bem minha filha? E a filha respondeu com voz de alívio, - foi desses sonhos pra nos acordar para a vida, mamãe.

sábado, 6 de março de 2010

O risco


Fui ser gente
com o coração de criança,
fui me despedir
depois de aceitar ir até ali.

Quis não sentir
mas a armadura era fraca,
quis limpar a alma
mas já havia sujado a história.

Foi no calor,
no frio,
no vento,

em todos os dias
que não se findam,
que só se escondem


que não me deixam.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sucumbindo



Não me peça para dizer algo.
Debruçada sobre a tua pele
vou descobrindo o caminho mais tórrido,
mais feliz.

Quando me disser,
diga aos meus ouvidos
e molhe com a boca
as palavras e gestos.

se eu estremecer,
me aqueça
e me dê mais frio.

O que eu posso te dizer
resume-se em poucas sílabas
e só faz sentido quando estou em teus braços.

terça-feira, 2 de março de 2010

Menina enrolada

Uma menina  que queria ser palhaço de circo. Queria também uma onça domar. Sob a tenda de um circo terminou por soltar fogo pela boca, e mesmo que de mentira arrancava aplausos da platéia. Mais tarde a menina cresceu mas esqueceu de lembrar. Demorou para que suas pernas contassem a ela que já estavam longas demais para ser palhaço ou domadora e mesmo que pudesse continuar soltando fogo de mentira, sua vontade ansiosa dizia que sair do circo seria melhor.
Ainda não informada que havia crescido, continuou guiada por suas vontades. Saiu do circo a menina, cresceu mais uns centímetros as pernas e pernas-de-pau ela foi querer ser, desfilando pelas praças e distribuindo felicidade.
Um dia, lá do alto dos filetes de madeira, ela chorou porque mais uma vez sabia o que queria, mas o choro vinha do não saber fazer com o que sabia querer. E a brisa mais fria do alto dos céus, veio para secar suas lágrimas de menina que virou gente grande, não por ter pernas longas, nem por ser pernas-de-pau mas por descobrir que querer não era o bastante.