quinta-feira, 28 de outubro de 2010

seserenofor




Sereno feito um canto de pássaro lá longe, 
no meu ouvido perto.
Fica perto de mim,
qualquer coisa calma que eu tenha em mim,
qualquer coisa de pequeno que caiba nas mãos,
qualquer carta de bolso que eu possa levar.
Olha as minhas pequenas garras
estão tão vazias,
mas se for sereno vai saber ficar sem
e com ou sem terá
e longe ou perto será,
canto de pássaro.


Sereno,
qualquer coisa que eu possa
su
por
tar

domingo, 17 de outubro de 2010

Encontro dos distraíados ou O desencontro


A urgência é uma sirene tocando, insistindo aos ouvidos e te denuncia cada vez que você puxa o ar e picota a entrada dele no seu peito, fazendo mini-respirações em pequenos espaços de tempo aos quais submetemos a nossa energia. Urgente, “não há tempo a perder” e quanto mais se faz dessa ideia um lema, mais perde-se tempo. Sua vida passa a ser dividida em minutos, a urgência transforma o sentimento em uma bomba relógio que sempre explode, sempre renasce das cinzas. Uma dose alta de adrenalina que nos faz voar e cair em segundos, mas o pior de tudo é pensar quem é o condutor da história. Você, que se esconde atrás de si mesmo, que forja acidentes, que premedita cada passo e cada ferida e que chora sem surpresa dos seus finais.  
Olha-se tanto para a vida que quase não se enxerga ela, tudo vira um borrão na velocidade do veículo. A urgência não permite distração, ela seria o erro fatal. E quem somos nós quando não estamos distraídos? Olhos esbugalhados, inchados, ocupados em sofrer adiantado só para não sofrer atrasado – que diferença faz? Quem está atento não se surpreende nem se assusta, isso é virtude dos distraídos.  
Foi na distração que eu me apaixonei por um rosto que estava sempre na minha frente e eu não via. Foi por ter me perdido de mim que eu encontrei você. Tão assustada, ainda busquei urgentemente me reorganizar, me encontrar, e notei que você sumia da minha visão, lento e disforme. Mesmo mergulhada na minha urgência burra, o coração, que é o órgão menos atento do corpo, se desconcentra e se perde e eu te amava sem saber. A adrenalina viciante do “aqui e agora” virou vício e me consumia os dias, me fazia fragmentos de mim. Quis tanto comer o tempo que ele me comeu: os olhos tensos; a boca que cuspia teorias fajutas; os braços perdidos sem o abraço; o tempo me comeu para que eu morresse e renascesse nua – afinal é como se nasce: sem nada. A vida não é um encontro marcado.


Você foi o meu melhor desencontro.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Me calas

Me ensina a fazer verão com essa chuva rala.
Faz meu corpo boca, fala,
me calas.
Me ensina a dizer não
descobir o gosto do sim,
meio sede, meio inteiro
meio em mim.
Me encontra sem eu estar
nem sei onde eu fico,
me visto, me pinto .
Me coma com as mãos,
sujo, faminto.
Você.
Me seja você.
Me ensina com a boca que me fala,
molha feito chuva rala,
língua queima como sol de verão.
Você.
Me calas,
sem que eu tenha tempo pra dizer não.
O sim, o gosto da descoberta.
Você.
Me ensina a ter
você.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Passo a passo

O teu toque seco  
No meu corpo úmido  
Faz cócegas, riso,
Quando eu já fui.

O teu olhar fixo  
Cara a cara é espelho. 
me deixa nua em pelo  
quando eu já estou.

Seu pescoço alinhado  
Chama dente e língua, 
sugo o sangue da vítima  
quando eu já assassina.

O teu beijo escorrega, 
deixa uma pista, 
molha a cintura
quando abaixo fica.

O teu mundo é grande  
na cama infinita, 
me perco na esquina  
quando eu já 


sua


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Análise de um culpado


Escher – Auto-retrato
Tenho chorado entre pausas e compassos estranhos. Tenho querido a rapidez e por isso picotado o sofrimento, acelerado o inacelerável tempo d’alma. Tenho me impedido de chegar até a ponta da pedra só porque de lá eu veria tudo amplo e doeria nos olhos a claridade. Entre uma pausa e outra, reacendo a ilusão como quem bebe num pote vazio e engole o ar com sede. Tenho ansiado pela salvação, entregando o coração aos leões, sucumbindo por derrame de sangue pois a salvação é diferente da cura. A salvação nos permite lembranças já a cura é a vontade do esquecimento. Assim, tenho me colocado cara a cara com o perigo, cutucado e arrebentado feridas que por natureza secariam, mas eu tenho querido o “para sempre” e por isso tenho amolecido as cascas, tenho buscado a dor para ter o prazer doloroso que é sentir-se viva no tempo, o mesmo que insiste em se renovar sob a minha negação. Tenho ralentado as palavras, me apegado a lembranças soltas que me vem no mais puro sadomasoquismo de mim. Tenho formado montes de cartas na sala, todas inacabadas e curtas. Cartas unifraseadas, eu única de mim. Tenho querido a eternidade dentro dessa mortalidade que se chama viver. Tenho insistido na mesma posição do corpo e com isso adormecido o presente. Tenho sido mais o breu de meus olhos fechados do que a visão real por onde se esbarra.


Viver é sobreviver a si mesmo.