terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Paladar



- uma delícia, você vai ver.
- eu não costumo...
- Chegou!
- Parece bonito
- Você é linda
(olhando em direção onde vai: boca)
Beijam-se
...
- Hum, é gostoso mesmo
- (enquanto arrisca pequenos beijos no pescoço dela) É doce...
- Não! Não curto perfumes doces.
Ele interrompe os passos da boca:
- e a carne?
- Nem salgada nem doce, diferente.
No intervalo da garfada um beijo nele. Ela, quando surpreendida diz:
- Seu perfume é...
- doce.
- é bom
- mas você disse que não gostava de perfume...
- eu disse, é eu disse.
- Eu sabia que você ia gostar do prato
- Eu gosto do seu perfume...não de doce.
- Mas esse é doce
- Nem doce nem salgada
- a carne ao molho...?
- não, sua pele.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Memória do que não veio

A Persistência da Memória - Salvador Dali

Estou me precipitando. Estou sendo aquilo que não fui para saber como será. Medo? Talvez, mas não ele puro e simples. É um medo de ser alcançada, por que se eu for alcançada serei o que querem e não o que eu escolho ser. Então estico as mãos e tento agarrar o que vem lá na frente, sim, porque ele vem. Só dá para ver alguns contornos e sem fechar a linha não dá a forma do que é. 
Não me é dado esse poder de chegar lá, onde ninguém foi e teima em me dizer “só o tempo”. Não permiti ninguém mais, e com um pouco de dureza, nem a mim mesma tocar no presente que ele nos dá, embrulhado numa caixa grande, vermelha, o tal futuro. Então não me diga como será pois não lhe dei a chave para arrombar a porta de “lá” de longe. Uso o que tenho – O que tenho? Tenho é uma palavra forte como uma madeira, é um ponto final cravado. Tenho é na verdade os frutos do que já tive e que com esforço eu briguei para escolher cada cor de flor do meu jardim. Tenho. O que já foi, em forma de hoje vestido de agora com cheiro de antes. Tenho, o que sou. Não sou o que tenho e sim tenho o que sou. E é com essas mãos cheirando a antes, sendo o agora, que me aventuro a criar o restante das linhas disformes que, não me lembro porque, vejo a minha frente. 
Crio soluções para esses traços soltos e até cor eu me atrevo a dar, preenchendo os brancos vazios a cada ponta de linha que encontra a outra. Coloco cores para não chorar e lembrar que é tudo muito frágil nesse tempo que eu pinto. Posso passar dias pintando e contornando, lembrando Salvador Dali. Não pela sua pintura, mas pelo humano semelhante. Eu tenho medo de chegar lá e desmoronar aquele castelo que eu desenhei, mas nada me garante que é um castelo. Só eu, que já estive no meu futuro, sei que aquelas linhas tinham tudo para ser um castelo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Escrevendo amor

Como uma uva doce. Como um vento menino, balançando os fios de cabelo em testas desconhecidas. Como o nervosismo que acelera, vira tempestade e despenteia árvores a fora, mostrando o que é antes de tornar-se. No seu melhor traje: desprevenido; desarrumado; em pés desajeitados; cabelos sem direção; quase um animal no seu mais belo perfil fotogênico. Aquilo que nem o próprio conhece, nenhum espelho revela. Como uma boca que morna feito o rio pra molhar o corpo estranho, recebe e abraça, faz-se seu dizendo “meu”. A insistência em abrigar no mesmo lugar os dois inteiros, feito duas metades sem matemática. Como quem fareja o sal pensando se doce será. Como quem não sabe, como quem descobre, como a fome que te mata, morrem dois num só gemido. Como se estivesse escrito, como se estivesse lendo. Decifra-se.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Ele no meio da fumaça

Um livro,
um lindo,
um retrato,
um cigarro 
que eu tô de fora,
nada entra e nada sai 
é sempre a mesma história.
Então um trago,
um papo,
um à gosto,
pode ser beijo,
não um beijo,
O beijo 
pra eu lembrar 
que primeiro foi o livro,
eu vi você era lindo 
e tiramos até um retrato,
entre um trago e o fogo,
o beijo no meio da fumaça.