sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Análise de um culpado


Escher – Auto-retrato
Tenho chorado entre pausas e compassos estranhos. Tenho querido a rapidez e por isso picotado o sofrimento, acelerado o inacelerável tempo d’alma. Tenho me impedido de chegar até a ponta da pedra só porque de lá eu veria tudo amplo e doeria nos olhos a claridade. Entre uma pausa e outra, reacendo a ilusão como quem bebe num pote vazio e engole o ar com sede. Tenho ansiado pela salvação, entregando o coração aos leões, sucumbindo por derrame de sangue pois a salvação é diferente da cura. A salvação nos permite lembranças já a cura é a vontade do esquecimento. Assim, tenho me colocado cara a cara com o perigo, cutucado e arrebentado feridas que por natureza secariam, mas eu tenho querido o “para sempre” e por isso tenho amolecido as cascas, tenho buscado a dor para ter o prazer doloroso que é sentir-se viva no tempo, o mesmo que insiste em se renovar sob a minha negação. Tenho ralentado as palavras, me apegado a lembranças soltas que me vem no mais puro sadomasoquismo de mim. Tenho formado montes de cartas na sala, todas inacabadas e curtas. Cartas unifraseadas, eu única de mim. Tenho querido a eternidade dentro dessa mortalidade que se chama viver. Tenho insistido na mesma posição do corpo e com isso adormecido o presente. Tenho sido mais o breu de meus olhos fechados do que a visão real por onde se esbarra.


Viver é sobreviver a si mesmo.

2 comentários:

  1. O problema não é viver, é sobreviver não é mesmo? adoro as imagens que você cria. Tão poéticas...
    Também ando amolecendo as cascas...

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  2. e outubro é o mês, pode crer nisso....

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