Do outro lado da rua os galhos tristes. Calor e terra se instalavam por ali. Instalavam-se também famílias, em meio a elas, eu. Naquela casa de campo o tom sépia me era sugestivo e eu não estava com vontade de comer. Rita chamava todos para o almoço, ela mesma com água na boca. Na verdade não era água e sim aquela saliva rala que eu podia imaginar só pelas sílabas Sa-la-da e logo em seguida, fres-qui-nha - que eram ditas quase como um sopro ou um regador sobre as folhas do alface. Enquanto ela chamava, Miguel insistia para que fossemos até a árvore de amoras sem nenhuma graça, só que eu não queria procurar amoras naquela árvore tão feia. Sim, a árvore na verdade não me atraia e a isso eu atribuía sua feiura, fora a falta de vontade pela comida que me esvaziava satisfeita. Já sentenciada, a coitada da árvore carregava folhas de um verde fosco e deixei Rita gritando em vão só porque outra voz havia falado mais alto, Miguel me chamava a atenção:
- Procura elas pra mim, estou de “bengalas”, se referindo às muletas.
Em passos de "tanto faz", aceitei catar as tais amoras na árvore que se não fosse pelo tal pedido sequer a teria notado. Eu olhava, olhava e sem ânimo arranquei a frutinha, sem dó nem muito menos atenção ao que fazia. E num “dou não dou” à boca dele, a amora estoura na minha mão. Um vermelho sangue inevitável aos olhos se espalhava entre os meus dedos que brincavam de sentir a textura do suco da amora.
Eu que pegara a fruta. Havia sido eu a caçadora. Naquele dia de sol, sem graça e “sépio”, fui mulher de um homem. Sangue nas mãos. Dispondo do fruto, descobrindo o sugo da fruta e a força das mãos e a vontade de comer que não era minha, o gosto que não era o da minha língua. Amora. Oferecendo, com curiosidade nascida naquele momento, um presente vermelho sangue. Mulher de um homem. Mesmo que a árvore, a rua, a casa e as amoras fizessem parecer o contrário. Amora. É quando se descobre amorosa num dia inotável, invivível. Amara-o em vermelho sangue, como deve ser.
Olá!
ResponderExcluirGostei daqui e resolvi ficar!
Beijos meus
forte...
ResponderExcluiramoras são tão simpáticas...
deve ser por isso que eu não amo.
Adorei o "Tom Sépia"... hehehe
ResponderExcluirCaraca! mto bom esse texto. Consegui visualizar, quase como um roteiro, cada passagem.
Preciso dar meu rotineiro parabéns a vc, Mayara. Sempre merecido.
Olá,
ResponderExcluirQue coisa mais bela, forte, cortante, como a faca que rasga, sem dó nem piedade.
Sua visita me honrou, pois com isso conheci seu cantinho mágico.
BeijooO*