domingo, 28 de novembro de 2010

Quando transborda



Eu vou desfranzindo a testa aos poucos, onde ficam rugas, essas linhas marcadas pela tensão. Agora já passou, você me diz calmo, sereno. Meu corpo vai deixando de ser atento, vai tomando novamente minha forma, vai voltando a ser e somente ser, o que não exige nenhuma prévia, ser não dispõe de planos pois ou se é ou não é. Sinto cada parte voltando para o lugar, cada palavra desgrudando de mim, como escamas de pele velha. É um alívio difícil esse pousar em si. Eu estou crua. As vezes dá um certo medo me ver despida, imaginando o que vão pensar de mim em tom cor-de-pele.
- Deixa eu me misturar em você, e eu deixo. A pele dele vermelho-sem-vergonha diz que gosta de mim, as mãos encontrando meu arrepio me dizem “eu só vou mais até ali” e a cada palavra, cada gesto dele, uma vontade quase inconsciente, na verdade urgente de dizer: "eu te amo", e não tem nada a ver com saber amar e sequer parece com qualquer “eu te amo” já dito no mundo. Sai da boca fazendo cócegas essas duas palavras pequenas, desconhecidas, como a lembrança de um rosto e o esquecimento do nome. Quanto mais distraída da minha nudez, mais nua eu fico e quanto mais nua, mais sensível ao toque e “eu te amo” é o riso da cócega mais incontrolável.
- O que você disse?
- Desculpe, é que eu senti em voz alta.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pé ante pé

Eu junto todas as sandálias num saco,
só quero os meus pés
na vontade de tocar o chão
esse chão,
aquele chão,
está tão longe o chão.
Acho que não vou mais andar,
eu vou sumir...
Dia desses fui embora
mas meu perfume ainda estava lá
E como faz?
Pra pisar firme
sem o chão que parece tão bom.
São só dois pés
antes eram quatro poeminhas,
hoje são só dois:
Bye, bye

sábado, 13 de novembro de 2010

Ser coisas tem dessas


Eu engulo a saliva como se fosse mar,  
eu quero esse mar,  
invento frases e frases  
afim de alcançar,  
quero te alcançar.  
Eu me sacudo  
cabelos e membros,  
entorno o copo  
só pra ver se não me lembro  
mas acordo amanhã cheia de pensamentos,  
a cabeça é pesada   
não esvazia,   
eu me quero vazia,  
me engulo e vomito todos os dias.

 
Ser tem dessas coisas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Vitória


Primeiro eu aceitei o trato, depois tentei me familiarizar com a condição. Sim, porque só aceitamos algo quando enxergamos um resquício semelhante a nós ou aquilo com o qual convivemos.  
Meu nome nada tinha a ver com a prática, na minha vida passava longe os euforismos e braços erguidos gritando – Vitória! Conto nos dedos os episódio em que protagonizei cenas como essa. Sempre que escrevo meu nome tenho vontade de pôr no final um ponto de exclamação. Mas exclamar a que? O que? Quem é essa tal de Vitória que cultua derrotas “passeando” por opção entre suas tristezas? Essa Vitória sem ponto de exclamação, sou eu. Trinta e poucos anos para chegar aos quarenta e Vitória, ponto final. Onde já se viu me entupir de “estímulo feliz”? Me apresento a alguém e logo penso que eu tenho que vencer! Tenho que conseguir sair com esse cara e tenho que conseguir que ele me ligue, que se apaixone e que o sexo seja maravilhoso, tenho que conseguir o emprego, tenho que conseguir ganhar na mega-sena. Eu me obrigo a ter sentido entende? Mas quanto mais vou em busca de coerência mais me afasto de qualquer alcance...vitorioso. Penso nos meus pais todos os dias e ainda não consegui encontrar um motivo. Só sei que o meu nome é Vitória, apenas um vestido bonito que quiseram me dar. A verdade é que o nome pouco importa, pode ser eu ou você,

eu ou você.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Doente de saber


Estive amando e isso me ocupava. Me ocupava tanto que meu corpo parecia cansado, um cansaço físico que passou a me incomodar. As dores no corpo vinham como se tivesse levado uma surra, mas ninguém havia encostado em mim. Estive amando como quem quer e não como quem ama. Queria o olhar, queria a boca, queria o abraço, eu queria... não tive sucesso nos meus desejos. Canalizei todas as forças que eu tinha dentro do meu corpo pequeno e expulsei numa só direção, com toda a minha alma cálida, com todo o meu corpo doente da surra.
Esse meu corpo pequeno, com hematomas invisíveis, foi pedindo socorro de pouco em pouco, de lamento em lamento.Há quem diga que era “não saber o que queria”, mas o mal era justamente o contrário: sabia exatamente o que eu queria.